O diretor, produtor e
escritor sueco Ingmar Bergman, em 1957, lançou o filme do qual o projetaria
como o cineasta do século na visão de muitos: “O Sétimo Selo” (Det Sjunde
Inseglet), obra prima do neo-expressionismo, estrelando o ainda jovem Max Von
Sydow, baseado na peça de teatro homônima, também de sua autoria.
Bergman nasceu no ano
do término da Primeira Guerra Mundial, em 1918, e falecido em 2007, ele teria
tido problemas com o fisco em sua terra natal, emigrando então para a Alemanha.
No período de sua juventude, junto de seu pai, que era pastor protestante,
chegou a ver um comício do próprio Adolf Hitler, episódio que o marcou
profundamente e muito provavelmente serviu de material para outro filme
célebre, “O Ovo da Serpente”, do qual em breve também irei escrever sobre.
O Sétimo Selo é um
filme que trabalha a eterna discussão sobre a existência ou inexistência de
Deus. A profundidade sobre um suposto silêncio divino que os materialistas e
céticos dizem existir, todo este questionamento se dá pelo retorno de um
cavaleiro cruzado, Antonius Block, aborrecido pela situação que encontra na
terra santa, o que faz ele questionar o cristianismo e a fé quando regressa a
uma Europa devastada pela peste bubônica.
O guerreiro então
quer ter contato em pessoa com Deus, dialogar com esta entidade divina. O
Sétimo Selo traz a ideia do apocalipse, escrito pelo evangelista João, sobre um
castigo que vem de cima, a penalidade à banalidade humana, a revelação final.
Mediando estes questionamentos de Block, não seria Deus que se revelaria em seu
íntimo, este continua em silêncio, mas sim a figura materializada da morte,
igual ao folclore de sua aparência, com o capuz, mas sem a caricata foice. O
mundo de Block é desprovido de sentido, e ele passa a desafiar a figura da
morte, inclusive em uma partida de xadrez - talvez a cena mais conhecida do
filme.
Bergman usa a ideia também de idealismo
x realismo, na figura do escudeiro do cruzado renegado, que muito lembra o
personagem Sancho Panza de Cervantes em “Don Quixote de la Mancha”. Para quem
não lembra, o fidalgo quixotesco idealiza as novelas de cavalaria enxergando
moinhos como gigantes, uma donzela, Dulcinéia, que é uma mulher da vida de um
vilarejo popular. No fundo, Sancho sabe que é um delírio de seu mestre, mas há
momentos em que ele fica entre a crença no que Don Quixote diz, e sua razão que
vê a realidade, muito disso pela promessa de uma ilha que lhe prometera o
cavaleiro da triste figura. No filme de Ingmar, o cavaleiro é um produtor de
teoria, de abstração, de questionamento “um pensador” - um questionador, cuja perda de fé
é brilhantemente metaforizada em uma outra cena conhecida, em que o cruzado
conversa com a morte no confessionário de uma igreja, tendo a figura icônica
encapuzada no lugar do padre. Isso nos diz que a religião e a igreja estão
esvaziadas, e precisou se utilizar do medo para manter o status quo, vide o que
veio após, até mesmo perdurando o início da Idade Moderna: a inquisição.
Enquanto o escudeiro, é um conformado, alguém satisfeito com a vida e que não
se preocupa com o sentido da mesma (ou a falta de).
Há momentos de
alegria também, como na cena em que Block e os demais personagens desfrutam de
um piquenique, simbolizando que na vida também existem surtos de felicidade,
mesmo sendo ela em sua amplitude o eterno sofrimento do vazio, esvaída de
propósito. Quando a morte começa a levar os personagens, no momento do limite,
Block, que perdera a fé, recorre a ela quando percebe que a sua hora se
aproxima. O cineasta brinca com a ideia do que popularmente se fala: “Não
existem ateus quando o avião está caindo”, mas eu diria que a fé não se resume
só ao transcendente, à entidade fora do universo, somos imanentes, e ela pode
ser horizontal, a fé na humanidade, a fé na natureza (panteísmo ou animismo).
Quando dizemos que um povo tem fé, como o brasileiro ou o argentino, isso pode
ser tanto em santos quanto em uma equipe de futebol.
O filme também
tem uma outra cena conhecida, a dança da morte. A abertura de cada selo, segundo a bíblia, representa um desastre para a
humanidade, sendo o último deles (o sétimo) o fim dos tempos de forma
irreversível. Por isso Bergman escolheu a frase antes de iniciar a trama:
“E havendo o Cordeiro,
aberto o sétimo selo, fez-se silêncio no céu quase por meia hora”. Apocalipse
(8:1).
O cineasta cria um enredo no qual, no encerramento do filme, os
personagens são conduzidos pela morte de mãos dadas, dançando. Talvez em
referência à Danse Macabre, usualmente pintada em afrescos de igrejas na Idade
Média.
Também é trabalhada a
ideia da “sagrada família”, no núcleo familiar de um dos ciganos artistas
circenses que aparece na caravana que Block acompanha, sendo a única que se
firma diante da morte. Se Deus existe, ele se manifesta pela união familiar, e
não é uma entidade inalcançável. A ideia me pareceu bem convincente, de fato
delegamos Deus a uma instância que está fora de nós, para “além da física”, mas
a divindade se encontra em qualquer detalhe de nossa rotina, podendo “Deus” ser
o homem, na minha visão, desprovido de sentido ou não, somos nós os
protagonistas de nossas vidas, e em meio a um céu vazio, permaneceremos em pé
ante as ruínas, quando o sétimo selo for aberto.
Recomendo este clássico!