quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Leões e Cordeiros (Lions for Lambs)

 Por: David Vega



Leões e Cordeiros (Lions for Lambs), filme de 2007 que faz um retrato da política externa americana. Lembro-me de ter ouvido a recomendação do filme quando estava ainda na faculdade. A trama se passa entre uma jornalista, Janine Roth (Meryl Streep) e o senador Jasper (Tom Cruise). Ela é enviada de um jornal conceituado para entrevista-lo, ele pretende lançar na imprensa a sua estratégia para ganhar a guerra ao terror. No diálogo entre os dois, que toma mais da metade do filme, as duas visões de mundo conflitantes são expostas; o senador é um tanto crente em novas estratégias para encurtar a guerra no Afeganistão e ela cética, uma liberal (no sentido norte-americano; Democrata) que deixa transparecer sua preferência política. O ideal da jornalista defende o repatriamento das tropas americanas (o curioso é que são os democratas os que mais investiram em intervenções externas) enquanto o senador, um típico militarista a serviço do presidente (lembremos que na época em que o filme foi feito ainda estava na Casa Branca o Bush, tendo Obama sido eleito no ano seguinte).

Há muita serventia no diálogo entre ambos. A passagem em que o senador Jasper faz a comparação com Roma, estando eles em Washington, capital repleta de colunas jônicas e o Capitólio, e ela ironicamente responde “Vocês estão lá (no Oriente Médio) para ficar, igual Roma” – ou seja, invalidando o argumento de que a guerra ao terror seria apenas temporária até resolver a situação do Taleban. Também há a todo o momento a comparação com o Vietnã, o trauma dos EUA. Curioso é que recentemente, na administração Biden, os americanos foram praticamente expulsos de lá, saíram deixando tudo para trás, como vemos nas imagens dos aviões e helicópteros abarrotados de gente saindo às pressas. De fato, de 2007 pra cá, os EUA perderam muito de sua influência no mundo. Já não são a potência igual dos anos 1990. Mal conseguem junto da OTAN resolver a guerra da Ucrânia, e sua zona de influência é questionada inclusive onde sempre fora seu quintal, a América Latina. Por mais que apoiem revoluções coloridas, não conseguem mais desempenhar o papel de “polícia” do mundo igual quando o filme foi feito. O 11 de setembro ainda estava muito recente na época em que o filme estreou.

Em paralelo ao diálogo entre ambos, há outra conversa de extrema relevância, entre um professor de Ciência Política (Robert Redford, que inclusive também é diretor do filme) e o jovem Todd (Andrew Garfield). Todd parece desanimado querendo abandonar o curso e então tenta ser convencido pelo velho professor. Logo na cena inicial desse núcleo do elenco, ele menciona Platão e Aristóteles, e relacionando com um passado idealizado, desapontado, diz que não pode seguir em frente em uma sociedade injusta etc. O professor para contra-argumentar, menciona sobre dois estudantes que teriam sido os melhores que já teve, um jovem afro-americano e um hispânico (Arian e Ernest), estes, abandonaram o curso para juntarem-se aos Marines. O professor diz que assim o fizeram não só por conta do salário, que é alto, mas para dois jovens periféricos essa seria a chance de suas vidas. Se voltassem vivos, graduados e com serviços prestados ao país, poderiam ter uma posição de destaque que seria quase que impossível a dois jovens de sua condição, de sua origem na sociedade. O próprio professor foi um veterano no Vietnã, com cicatrizes da guerra, e entende muito bem a ótica dos garotos pobres. Um dos argumentos, que foi brilhante no filme, é de que a pátria América, que menos fazia por garotos pobres negros e latinos, se servia justamente deles; eram os que davam a vida na guerra por ela, enquanto os “mauricinhos” bem nascidos e mimados desistiam do curso por não aceitarem as adversidades da vida. Todd se decepciona com o mundo, mas é mais um revoltado de apartamento, pois sequer entende a dor dos que realmente precisam dar o sangue para sobreviver. O professor lhe passa a missão então de voltar ao curso e ser um aluno exemplar, com o potencial que ele tem, para ao invés de ficar revoltado reclamando do mundo, tentar fazer algo, dentro de seus recursos, para uma sociedade melhor.

Também, paralelo a isto, há as cenas de Arian e Ernest na guerra do Afeganistão. São usados de isca, de cobaias em uma missão para atrair os Talebans. Talvez essa fosse a grande ideia de encurtar a guerra que o senador tenta argumentar com a jornalista, colocar a vida de garotos em risco para que o senado possa ter uma harmonia maior e o presidente tenha mais governabilidade. Clausewitz dizia que a política é a extensão da guerra por outros meios, mas o filme mostra que os engravatados perfumados na cúpula do governo, movem peças de xadrez enquanto jovens perdem a vida. A jornalista se revolta com isso, quando o senador explica seu plano e que será “a qualquer custo”, sabendo que ela não poderá fazer a matéria como gostaria (de uma forma crítica) pois seu superior na redação precisa seguir a linha do jornal, que joga em favor do governo e não pode por vários motivos tecer a crítica que ela tanto faria empenhada. No diálogo, para quem gosta de História, há várias menções interessantes, como quando ela diz que participou na sua juventude de Maio de 1968, as revoltas estudantis que começaram em Paris e espalharam-se pelo mundo. A visão de uma “liberal” como ela não dá conta do realpolitik, fazendo-a decepcionar-se (o velho embate entre idealismo e realismo, muito presente nas Relações Internacionais entre kantismo e hobbesianismo).



Enfim, recomendo o filme, tanto o diálogo entre o senador e a jornalista, bem como entre o professor e o garoto valem a pena, e fazem da obra um valor inestimável nem tanto pelas cenas de ação, mas pela riqueza das conversas, é um filme para quem gosta de História e Política. Robert Redford se saiu bem não só em seu papel de ator, mas como diretor também, lembra em parte outro filme em que atuou “Todos os Homens do Presidente”, ao lado de Dustin Hoffman, sobre o impeachment de Nixon e o caso Watergate (tenho uma resenha sobre ele neste blog) - este filme podemos considerar histórico, pois a sua atualidade à época em questão, bem como ainda hoje, tem a serventia de ensinar sobre o passado recente em uma sociedade que vive seus resquícios na política e vida cotidiana, sobretudo da América, até os dias atuais.


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