Por: David Vega.
Liam é um garoto que tem dificuldade de
falar, mas seus olhos já dizem muito. Ele é o mais novo de uma família de
ingleses da Liverpool dos anos 1930. Os personagens do filme não tem nome,
apenas o garotinho que a tudo observa como espectador das transformações de sua
família, estas também são as da sociedade marcada pela crise pós 1929 e o
crescente desemprego, com isso, os trabalhadores humilhados pela falta de
trabalho, começam a se seduzir pelos discursos do Partido Comunista. O irmão
mais velho de Liam adentra às fileiras dos vermelhos, enquanto com o passar do
tempo, o pai (interpretado pelo grande ator britânico Ian Hart do célebre “Terra
e Liberdade”) passa a culpar os irlandeses e os judeus pela crise. O pai, que
no início do filme não se importa quando os vizinhos perdem seus empregos,
dizendo que ele ainda tem o dele (uma espécie de distinção, ele se vê como
diferente dos demais por conta disso), tão logo se torna mais um dos
desempregados que precisa se sujeitar à fila do seguro social que lhe dá
migalhas.
Em paralelo, Liam está prestes a fazer a sua
primeira comunhão, e o pai também começa a culpar os católicos e os padres que
seriam parasitas, com o argumento nacionalista de que os verdadeiros ingleses
são protestantes, segundo ele os sacerdotes católicos viviam de doações de
poucos xelins suados dos moradores do bairro operário, quase que um cortiço, visivelmente
degradado. No início do filme, pouco antes da crise, as famílias se reuniam e
celebravam o ano novo, já no decorrer, os moradores começam a pedir dinheiro
emprestado uns aos outros, e brigas surgem, por conta de cada moeda que faz
diferença no orçamento da casa. A desunião, além da questão financeira, vem com
a polarização política, em uma passagem do filme, o pai aparece em um comício
do Oswald Mosley, líder da British Union of Fascist (BUF) e seus camisas
negras. Desentendimentos em casa se intensificam com o filho mais velho que é comunista.
Não bastasse isso, a filha do meio consegue
um emprego de doméstica em uma casa de família judia, e a dona passa-lhe a meio
que adotá-la, a vesti-la e alimentá-la, dando presentes e perfumes, mostrando-a
um mundo muito distante da vila operária de onde ela vem. Ela precisa esconder
de seu pai fascista que o dinheiro que traz em casa vem de uma patroa judia.
Cada vez mais humilhado por não conseguir emprego, o pai vestindo o uniforme
dos fascistas começa a se radicalizar, inclusive a participar de atentados.
Liam ao mesmo tempo que presencia tais crises, é assombrado pelo medo do pecado
que o professor padre de sua escola incute nas crianças.
É um filme sensível, apresenta o que somos
capazes de fazer no limite da solidariedade humana, esta que é solapada por um
individualismo vindo de todos os lados, por aqueles que precisam pensar no
estômago dos seus antes da fome do vizinho. É na crise que as pessoas mostram
quem são, e na radicalização política, não sobra tempo para o convívio dos
contrários, mesmo entre pai e filho.
Impactante! Há tempos me foi recomendado por
um amigo ainda no Ensino Médio, e só fui assistir hoje. Tem completo dublado em
espanhol no YouTube, recomendo, é baseado em um livro de Joseph Mckeown, que ainda irei ler, pois se o
filme consegue sintetizar todo o espírito da crise e o lado mais obscuro da
natureza humana, imagino que a obra escrita proporciona diálogos ímpares!
Assistir a este filme, dirigido por Stephen
Frears nos tempos de hoje não é apenas uma reflexão, mas proporciona aquilo que
a arte sempre fez, nos dá combustível para lutar, ou apenas ver as entrelinhas,
que não são nem tão subjetivas assim, em uma realidade bruta que nos assola, lembrando
muito a Liverpool e a Europa como um todo dos anos 1930.