segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Sócrates, de Roberto Rossellini

 



Dica de filme: “Sócrates”, do célebre diretor italiano que marcou o realismo, Roberto Rossellini. Nesta obra, somos presenteados com uma trajetória do filósofo que foi um divisor de águas para a instituição do pensar (dividindo seus predecessores em pré-Socráticos, do final do século VII  até o V a.C), o filme mostra seu exercício cotidiano de relativizar e buscar conceitos universais para os termos, até sua condenação e morte por envenenamento de cicuta. Sócrates havia sido um cidadão exemplar, condecorado por bravura na Guerra do Peloponeso, defendendo a democracia ateniense contra a tirania de Esparta, após seu regresso do conflito, já com idade mais avançada, decidiu que viveria entre a massa, ao contrário dos sofistas (que tanto combatia) dos quais ganhavam a vida ensinando retórica e discursos políticos (feito os comentaristas e palestrantes de hoje), ele preferia a vida de um avarento, não ligava para os bens materiais e a riqueza, andava feito um mendigo, considerado subversivo pelas autoridades, “corrompendo” a juventude com seu exercício de maiêutica e profanando contra os deuses do Olímpio (os quais não acreditava e era bem cético). A “maiêutica” é um termo que vem de “parir”, sua mãe, havia sido obstetra, e ele considerava que seu questionamento e relativização do logos, não deixavam de ser igual ao parto, trazendo à luz para o interlocutor a dúvida quanto ao conceito por ele previamente axiomático. 

No filme aparecem alguns de seus seguidores, Platão é apenas mencionado (Sócrates nunca deixou nada escrito, o que sabemos dele é uma idealização de Platão, em seus diálogos), Xenofonte também não tem um protagonismo como merecia. Rossellini é bem fiel aos diálogos de Platão, quando se menciona inclusive o sofista Protágoras, ou quando ele discute com Hípias e Críton acerca de alguns temas. Na passagem deste primeiro, ao encontrar o sofista com vestes nobres e escravos que o conduziam, Sócrates indaga o que seria a “beleza”, o pomposo opulento responde que seria uma bela virgem, então Sócrates concorda com ele, mas pergunta se uma égua também não pode ser bela, o sofista concorda, então continua, questionando se uma panela também não pode ser bela, “por suposto que sim”, diz seu oponente, então o mestre conclui: “A égua é bela, mas não se comparada à virgem, assim como uma panela pode ser bela, mas não se comparada às duas primeiras, bem como a virgem é bela, mas não comparada aos deuses, então, o que é a beleza?” – o sofista fica sem resposta e se despede com pressa. 

Para Sócrates, não bastava dar um exemplo reducionista do que era cada conceito, a “beleza”, a “justiça”, a “verdade” etc, estes deveriam ser universais, e eu digo ainda mais, são conceitos que estão em si mesmos (sem uma universalidade, mas existem e o são e cada microcosmo)! Para o grande mestre, o verdadeiro filósofo tinha apenas uma única certeza, a sua ignorância, e no filme pronuncia mais de uma vez sua célebre frase “Só sei, que nada sei”. Sócrates foi um legalista, até em sua condenação se recusou a fugir, quando Críton o propôs, dizendo que ele era um condenado e se fugisse, estaria descumprindo a lei, e isso seria a injustiça, mais do que a sua própria condenação, ele preferiu morrer a reconhecer que não estava certo, contrariando muitos que lhe suplicaram para que voltasse atrás. Uma passagem interessante, é quando ele diz que para se conduzir um barco, não escolhemos por sorteio (na época as eleições eram por sorteio) o condutor do barco, nem mesmo escolhemos por sorteio um médico, preferimos profissionais que estejam aptos para essas funções, assim como deveria ser a Política, por que escolher por sorteio e não por alguém com aptidão? Essa ideia foi cultuada por seu discípulo, Platão, no livro “A República”, onde dizia que uma sociedade deveria ser conduzida por filósofos, na verdade, ele errou nesta questão a meu ver, pois os governos mais despóticos ao longo da História, foram de ideólogos ou ideologias que rejeitavam o pragmatismo e o tecnicismo da democracia, em nome de um mundo perfeito. Enfim, recomendo o filme, essencial para quem é fã de Filosofia! Rossellini fez uma série, durante os anos 1970 (da qual esse filme é o precursor) da vida de alguns filósofos, ainda tem sobre Santo Agostinho, Descartes e Pascal. Fica bem claro que o diretor conhecia as obras e vida destes autores, uma pena o Cinema de hoje ter perdido essa erudição tão educativa!

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