Por: David Vega
All
the King´s Men, no Brasil, “A Grande Ilusão” (não confundir com um livro de
mesmo nome sobre a Primeira Guerra Mundial), filme que mostra a ascensão de um
político que vem de baixo, tal história estamos cansados de ver com exemplos ao
longo dos séculos. Ambientado no estado da Louisiana, boa parte em New Orleans,
em meio aos arranjos de blues dos banjos e bandolins, o filme começa com o
assessor de Willie Stark (Sean Penn), que é o político em questão, falando em
ideologia, pronuncia a frase “o que você não conhece não te machuca”. O
jornalista que faz o papel de assessor dele é interpretado por Jude Law.
Stark
é um homem do povo que sabe ler a psiquê das massas. Muito disso ele usa na sua
profissão, um vendedor de cosméticos que bate de porta em porta, convencendo as
pessoas comprarem seus produtos. Um certo dia, é convidado para integrar um
partido político e conhece homens que estão dispostos a lança-lo como candidato
a governador, dadas às suas habilidades. Exímio orador, ele começa em seus
comícios a reunir cada vez mais pessoas, que vão ao delírio com suas promessas.
Em uma passagem do filme, lhe perguntam como ele consegue tal façanha, e ele
responde: “Eu falo o que eles querem ouvir, sobre impostos, obras, salários etc”.
O
filme tem vários diálogos interessantes. Em uma ocasião, Stark diz “uma vez lá
em cima, o homem esquece quem ele é, de onde veio” (nada mais comum e atual
quando vemos tais figuras na nossa política). Ele tem manias também que as usa
como bandeiras para reforçar sua personalidade como homem simples e do povo, a
mais notória, tomar refrigerante com dois canudinhos. Faz seus discursos de cabeça,
dispensa roteiros.
“Sou
caipira como vocês, não sou um acadêmico ou politico de carreira, cria do
sistema, um almofadinha!” – Enfatiza. Também sempre usa a palavra de Deus.
Põe
a culpa nos cidadãos das grandes cidades que enganam os caipiras, diz que sua
campanha é feita pelo dinheiro dele, que irá construir universidades para
todos, não só para os filhos dos ricos estudarem. O povo não apenas vê nele uma
esperança de mudança, mas se reconhece na sua figura, pois é “gente como a
gente”.
Os
velhos gordos do senado não votaram nele, o narrador, que é o jornalista que
conta a história, afirma que os políticos convencionais votam nos
representantes das petroleiras que lhes enchem os bolsos, mas mesmo assim, Stark
ganha para governador.
Ele
se torna populista e corrupto, representado no filme com as botas na mesa feito
um coronel, os encarregados lhe dizem que o Estado não tem verbas, dinheiro o
suficiente para ele fazer o que havia prometido, e sem entender de Economia,
não está nem aí, e manda eles se virarem para conseguirem pagar (nesse caso,
não existe um teto de gastos a ser respeitado, bem típico dos demagogos que
saem gastando adoidado com políticas públicas, muitas inúteis, que arrecadam
votos).
Outra
passagem interessante é um diálogo em que o jornalista indaga: “devo trabalhar
para quem? Para o Estado?”, e o governador eleito responde: “Não, para mim” – (me
lembrei nesse momento do “O Estado sou eu”, frase pronunciada por Luís XIV no
auge do absolutismo.
Destaco
também uma, em que um político tradicional da câmara diz: “Os políticos novos idiotas
pesam que o mundo é de graça, quem irá pagar toda demagogia? O contribuinte!”.
Desrespeitando
a Constituição do estado, ele consegue manipular o jornalista, que se torna
mais que seu assessor por debaixo dos panos, mas um fiel seguidor, publicando o
que interessa a seu chefe, fazendo panfletagem-propaganda do governo no jornal
a qual trabalha.
Stark
anda sempre com um gunslinger (pistoleiro), ágil e hábil no revólver, que é seu
guarda-costas, capaz de fazer tudo pelo chefe, até eliminar opositores. É aí
que aparece o personagem interpretado por Anthony Hopkins, representando os
conservadores que querem derrubar Stark. O jornalista se sente incomodado por
usar toda a sua erudição para defender um homem ignorante e rude, indo em
contra de todo seu polimento e crença na democracia. Ele se sente inclusive
envergonhado diante dos demais políticos que articulam uma movimentação pelo
impeachment de Stark, sobretudo porque o jornalista foi praticamente criado pelo
político conservador interpretado por Hopkins, e se vê diante de uma sinuca de
bico, pois não quer trair tudo o que aprendeu com seu velho mestre, que lhe ensinou
a ética e o real jogo legalista da política.
“Você
trabalha para mim pelo jeito que sou, é isso que te atrai” – Diz em certo
momento o governador autoritário para ele. No palanque, discursando, o déspota
diz que as velhas ratazanas da política querem derrubá-lo, e o povo se revolta
em seu apoio.
O
governador megalomaníaco almeja a Casa Branca, sonhando em ser presidente e
tornar todo o país hipnotizado por sua figura igual fez com seu estado pequeno.
Há uma passagem que ele (o jornalista) pergunta quem era o presidente em 1938, se
referindo ao banco, do qual investiga, para que se libere uma verba de que não
tem, destinada à construção de um hospital para o povão (os caipiras como ele
se refere), e a bibliotecária responde: “Franklin Delano Roosevelt”, então ele
fala que perguntava quem era o presidente do banco, não do país na época. Eu
não saberia dizer se é uma referencia ao imaginário do New Deal, medida que até
hoje é vista como populista pelos norte-americanos, devido a interferência do
Estado para se recuperar a economia depois do crash de 1929, idealizado por
Keynes, semelhante o que Vargas fez aqui no Brasil. Talvez tenha sido intencional,
para fazer uma analogia aos populistas.
A
paisagem do filme é muito bacana, me lembra quando morei na costa leste, na
Carolina do Sul, com os robles espanhóis (carvalhos) e os típicos musgos dos
pântanos com aligators. O personagem de Jude Law consegue uma carta para
incriminar e usar politicamente em favor do seu “patrão”, prejudicando Hopkins
- está cada vez mais atrelado e envolvido nas loucuras do governador. Ele emprega
um amigo de infância (Mark Ruffalo) falido que precisa de dinheiro para
participar dos projetos ousados do político, mas este fica entre a oportunidade
tentadora de enriquecer e sair daquela inércia, passando por cima de seus princípios,
pois ele parece ser um democrata, e salvar a sua biografia.
Stark
compra os juízes, a corte, disse que exige que o juiz esteja em seu favor, ou
ao menos não contra ele. Seus surtos histéricos lembra um pouco o Hitler
caricato, diferenciando-se pelo corte de cabelo e o bigode, é claro. Com o
tempo, opositores começam a ser mortos e perseguidos.
O
governador Stark se encaixa perfeitamente no déspota de direita ou de esquerda,
seu discurso populista lembra em vários momentos os bordões de Lula, Perón, ou
o imortal “Trabalhadores do Brasil” de Vargas, o autoritarismo não é algo
propício de um espectro apenas, e no momento, no mundo, vivemos o embate do
radicalismo de um lado, contra o do outro, não é tempo de moderação, e vejo
vários possíveis Starks por aí, gerando fanáticos, seduzindo e cooptando inclusive
intelectuais, como o jornalista porta-voz seu, cuja razão se manifesta por
vezes, e nos momentos de lucidez ele se pergunta “o que está fazendo”, mas logo
a aura exótica do carisma do projeto de ditador, o atrai, fazendo ele usar sua
habilidade da escrita e investigativa, para beneficiar o governador.
Tal
fato é bem comum na História. Ora, Hitler conseguiu cativar um dos povos mais
cultos da Europa, o país do Hegel, do Schopenhauer, Nietzsche, Goethe etc.
Muitos ainda se perguntam como isto foi possível, uma inflação astronômica que
faz um cidadão levar um carrinho cheio de marcos para comprar um pedaço de pão
pode explicar talvez.
As
crises vêm e vão, a questão é, você conseguirá se manter um democrata nas
situações adversas? Em tempos que a situação é acusada de não respeitar a
constituição, por aqueles que deveriam guardá-la, sendo arbitrário tanto quanto
ou pior?
É
claro que Hollywood faz uma crítica a este perfil de político, o carismático,
nenhuma obra de arte é isenta de intencionalidade, e um Perón sempre será visto
com bons olhos ainda por muita gente na Argentina, bem como Juan Gómez na
Venezuela ou até o Vargas no Brasil (ainda chamado de “pai dos pobres”). Eu
lembro uma vez de conversar com um turco enquanto esperava um avião na conexão no
aeroporto Ataturk em Istambul, e ele disse que o líder do qual o aeroporto leva
seu nome modernizou o país e os turcos devem muito a ele. Figuras assim,
personificadas, ao mesmo tempo que produzem ódio, também geram uma legião de
seguidores, que perpassam os tempos, muito diferente daqueles burocratas que
legislam apenas cumprindo ordens e não andam entre o povo, estes, depois de
seus mandatos ninguém os recordará.
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