Por: David Vega
Há
uns anos eu, nas minhas andanças pelo centro de São Paulo, encontrei em um Sebo
uma promoção de queima de estoque. Na leva, podia-se comprar livros e DVDs de
preço baixo. Minerando entre títulos muito fracos, eu encontrei entre uma pilha
de caixas de filmes um em especial. Na capa tinha a imagem de Dustin Hoffman e
Robert Redford. Eu já conhecia os filmes do Hoffman, ator que teve seu auge
durante os anos 1970, meus favoritos são o “Liberdade Condicional” e um outro
em que ele já era mais maduro, interpretando um autista, contracenando com o
Tom Cruise, na década seguinte, “Rainman”, cuja atuação é brilhante. Então,
devido o histórico deste que era um dos protagonistas, resolvi levar o filme,
convicto que seria uma boa escolha.
Ao
chegar em casa, acabei deixando o DVD de lado e nunca mais o peguei. Anos se
passaram e muitos dos meus filmes favoritos acabaram por migrar aos streamings,
então, quando queria rever algum, não me dava ao trabalho de ligar o aparelho
leitor dos discos. Porém, em um domingo mórbido, recentemente, arrumando
algumas tralhas antigas, voltei a encontrar o filme que comprei, empoeirado.
Finalmente, abri a caixa e decidi dar uma chance.
Bem,
o momento foi bem oportuno, dado semelhanças da trama ao cenário político
atual. Eu já tinha ouvido sobre o caso Watergate, mas após assistir à sessão,
pude compreender em detalhes. O filme tão misterioso é o “Todos os Homens do
Presidente”, produção de 1976, ganhadora de 4 Oscar, baseado no livro de Bob
Woodward (interpretado por Redford no filme) e Carl Bernstein (Hoffman) ambos
jornalistas que mudaram o curso da História americana após uma investigação
ousada e perigosa.
O caso Watergate foi um roubo de
documentos no complexo de escritórios que leva este nome em Washington, sede do
comitê nacional do Partido Democrata. O filme começa com 5 “ladrões” que teriam
invadido um dos escritórios e foram pegos pela polícia. A partir de então, os
dois jornalistas do Washington Post decidem averiguar o caso, pensando ser um
possível furo editorial (furo é o jargão
para a informação publicada antes de todos os demais, quando uma equipe
consegue apurar uma notícia e a publica sem que os veículos
concorrentes tenham acesso).
Woodward consegue a informação de que um tal
de Charles Colson, que possivelmente tinha ligações com agências de
inteligência dos EUA, era também novelista de ficções sobre investigação (a
arte imita a vida, a realidade é mais inverossímil que a ficção!). Descobrem
que um sujeito conhecido como Hunt (que trabalhou para Colson na Casa Branca) tomava
emprestado livros sobre Kennedy, deixando rastros no histórico de empréstimos
em uma biblioteca (a sua ficha de biblioteca pode dizer muito sobre você!
Denunciá-lo!). Colson era além de escritor, conselheiro do presidente Nixon.
Hunt também esteve à frente na campanha de
Eisenhower, em 1952. No julgamento dos 5 ladrões que foram detidos, entre eles
alguns cubano-americanos anticomunistas de Miami estavam envolvidos. O
jornalista então recebe uma mensagem de alguém que quer abrir o bico, pedindo
para ele deixar uma bandeira vermelha hasteada na sacada de seu apartamento, no
caso da resposta ser afirmativa, feito isso, ele vai ao encontro do possível
“traidor”, no estacionamento de um shopping já fechado.
Com o passar do filme, do qual o jogo de
câmeras proposital constrói uma narrativa envolvente, sendo outra coisa que
reparei, é que não tem trilha sonora, apenas os jingles de Nixon de sua
campanha à reeleição enquanto a TV está ligada nas noites em claro que os
jornalistas escrevem, o jovem em busca de um furo acaba sabendo que foi pago 25
mil dólares a um dos ladrões envolvidos em Watergate. Há um momento do filme
que os jornalistas encontram o recibo do cheque depositado, mudando o curso da
investigação.
Ligando as pistas, em pleno ano de eleição, muito
possivelmente os capangas do episódio estavam ligados ao comitê de reeleição do
presidente. Além de toda a trama no mundo da política, aliás, é para quem gosta
de filme de investigação, onde as pistas vão surgindo e se encaixando, fazendo
sentido, sobretudo no mundo do poder, muito antes do fenômeno House of Cards,
já havia este filme, pouco falado no Brasil. O interessante é que a
investigação ocorre com dois protagonistas que não são detetives de polícia,
mas jornalistas! Profissão que com o passar do tempo perdeu a essência para
criar acomodados leitores de teleprompter. A atitude dos dois personagens traz
um pouco daquele jornalismo de John Reed, Victor Serge ou Hemingway, o
investigativo, que é na verdade quase uma etnografia antropológica.
Outro ponto relevante também é a relação dos
mesmos enquanto estão no processo de criação da matéria com o editor chefe. Ali
na redação, como em qualquer instituição composta por pessoas, há diferentes
pontos de vista, e ir contra o governo, pode desagradar os que de alguma forma
possuem ligação com ele, ou apenas por convicções pessoais concordam com quem
está no poder. O que o jornalista preocupado com os fatos e não com a opinião
deve fazer então? Há uma passagem do filme que mostra os editores manipulando
as notícias através dos recortes, selecionando frases e chamadas que
interessam, e ocultando outras. É bacana o ambiente do filme, mostrando como
funciona uma redação de um jornal grande, nos anos 1970, podemos ver os periodistas
em suas máquinas de escrever, fumando cigarros e usando calças boca de sino.
O editor ao passar do tempo começa a se
contagiar pelo trabalho dos dois jornalistas. Porém afirma em certo momento que
se a história do Watergate for falsa, é perigoso se estiverem enganados,
podendo comprometer a legitimidade do veículo de imprensa, publicando algo
contra um governo na época com popularidade (naquela época ainda havia um pouco
de ética).
Eles conseguem uma lista com o nome de todos
que trabalhavam para o presidente, nisso, recebem a notícia de que Richard
Nixon é reeleito. Enfim, não vou mais dar spoiler, apesar de todos que gostam
de História conhecerem o desfecho do caso. O caso Watergate na verdade revelou que
o governo de Nixon usava o FBI e a CIA para investigar a oposição e plantar
notícias falsas contra seus rivais, igual fazia a Gestapo ou a KGB. O “roubo”
do complexo, na verdade foi uma desculpa para técnicos repararem aparelhos de
escuta telefônica que possivelmente estavam danificados. Atitude ilegal durante
a eleição, pois o candidato à reeleição estava se utilizando de medidas
trapaceiras.
A imbricação do jornalismo com a política,
quando uma se torna um braço da outra, é perigosa. E aqui não estou entrando no
mérito se é “direita” ou “esquerda”. É triste ver o que se tornou o jornalismo
no mundo hoje, de um lado uma espécie de militância de agendas e pautas visando
a narrativa de um politicamente correto através do que vulgarmente se chama no
Brasil de “lacração”, e do outro, veículos destinados a justificar qualquer
atitude de quem está no poder, feito a Telesur quando entrevistava o Hugo
Chávez. Ora, as atitudes desonestas para se alcançar os objetivos na política
sempre existiram, lembram do incêndio do Reichstag, quando culparam os
comunistas? As cartas falsas de Arthur Bernardes? Ou o Plano Cohen, que
justificou o golpe do Estado Novo no Brasil? – “O fim justifica os meios” – já
dizia Maquiavel (embora alguns afirmem que ele nunca teria escrito isso). É bem
diferente dos processos legais contra presidentes que sofreram impeachment,
feito o Collor, por conta do Fiat Elba e o caso PC Farias ou as pedaladas de
Dilma Roussef. Estamos falando de casos em que realmente houve uma
arbitrariedade.
Lembro de um colega de faculdade filiado a um
partido de esquerda que reclamava, na época, por volta de 2011, que os
norte-americanos sempre usavam a desculpa da Constituição para justificar as
suas medidas, sendo ele um defensor da “revolução”, não conseguia entender o
porquê deles não enxergarem além do legalismo. Enfim, hoje, eu vejo a esquerda,
que é oposição, fazer exatamente o mesmo, vivem citando a Constituição (que o
PT não votou nos 80) como se fossem guardiões desta. Cada lado do jogo político
em questão invoca sua interpretação das quatro linhas. Vivemos hoje no mundo um
cenário diferente, em que não existe mais o fato em si, seria a pós verdade?
Não existe mais uma “versão oficial” da notícia. O que eu vejo com bons olhos,
pois hoje, um sujeito com um celular de dentro de seu quarto pode competir com grandes
conglomerados de mídia, que convenhamos, também reproduzem Fake News visando os
seus interesses. A mídia sempre fez isso! Antes era a mais criticada pela
oposição, agora que reproduzem o discurso que querem ouvir ela se tronou santa?
(o mesmo em relação à suprema corte). A mídia convencional sempre teve o poder
de construir óticas “aceitas” pela massa e eleger ou derrubar quem quisesse,
destruindo reputações. Nunca me esqueço do caso do sequestro de Abílio Diniz,
embora fui me interessar posteriormente, pois na época era muito criança. Do
qual a emissora mais influente do país reinava em absoluto, desrespeitando a
Constituição, que hoje se creem ser os reais guardiões.
Há um trecho do filme em que o editor diz, e
faço dele as minhas palavras, que o que realmente importa naquela investigação
toda é fazer valer o artigo primeiro da Constituição (dos EUA); a Liberdade de
expressão e imprensa. Que isto sirva não só para governantes tidos como
despóticos, mas para a suprema corte, que possui ministros com poderes
concentrados inflados que a desrespeitam, perseguindo pessoas por crime de
opinião. Não é por acaso, e faz sentido, o sujeito se considerar um preso
político atualmente. A histeria tomou conta de uma sociedade mundial
polarizada, do qual o processo eleitoral pode sim ser questionado, pois ninguém
mais confia no sistema e se sente representado pelas instituições.
Sabemos que Hollywood majoritariamente é pró
Partido Democrata, e é claro que vão endossar a narrativa contra os
republicanos, salvo quando é uma figura histórica como o Lincoln. É preciso
analisar friamente as coisas, óbvio que Nixon errou, o que causou seu
impeachment em 1974, tendo ele renunciado logo depois. O termo “gate” nos
países de língua inglesa, após o episódio, se tornou uma gíria para
“escândalo”. Não compro o discurso de nenhum lado, mas reconheço que sobretudo
no cenário global hoje, todos desrespeitam a democracia e fazem Fake News em
nome de seus objetivos, sendo hipocrisia acusar só os opositores daquilo que
você também faz.
Assistindo um filme de investigação
jornalística que mudou a História como esse, vejo o quanto os profissionais de
hoje da área são mesquinhos e revira o estômago acompanhar o que a categoria se
tornou hoje.
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