quinta-feira, 3 de novembro de 2022

The Sunset Limited

 Por: David Vega



Baseado na peça de Cormac McCarthy, Sunset Limited é um filme de 2011 basicamente fundamentado e sustentado em um diálogo. Os recursos visuais e de câmera captam expressões e detalhes do ambiente; um apartamento no subúrbio de alguma cidade grande onde se passa a história.

Após tentar um suicídio atirando-se na linha do metrô chamada Sunset Limited, um professor (Tommy Lee Jones) é salvo por um homem negro (Samuel L. Jackson) operário que o leva para seu recinto e inicia-se o filme com o questionamento sobre sua real intenção de suicidar-se. Ao longo do filme, diversas questões existenciais vão surgindo. O homem negro é dotado de uma fé cristã, enquanto o professor é esvaziado de qualquer crença, e a peça mostra bem o embate daqueles que já não veem significados e propósitos maiores frente os que mesmo diante de toda a miséria humana, no caso do operário, vivendo em uma periferia, rodeado do que ele próprio chama de “junkies”, os “nóias” que roubam frequentemente suas coisas dentro de casa e toda a decadência de um local abandonado pelo poder público, ainda assim, consegue ver motivos de sobra para continuar em frente.

O personagem de Samuel L. Jackson em certo momento conta que já esteve preso, e a rotina da cadeia. Foi após um incidente de violência em que quase matou um detento que teve a sua conversão. O professor questiona a Deus o fato de ter aparecido para a aceitação de Jesus a um homem violento ao invés da própria vítima do episódio que ficou inválida. Aquele velho operário insiste ao professor que viver continua valendo a pena, pergunta-lhe quantos livros ele já leu na vida, reparando que seu vocabulário é erudito. O professor responde que lia em média dois livros por semana, multiplicado por 40 anos, milhares de obras já entraram para o repertório do velho, mas o homem negro então indaga: “O senhor já leu milhares de livros mas nunca leu a bíblia?”. Querendo saber qual seria seu livro favorito, ele responde que talvez o “Guerra e Paz” (do Tolstoi), constatando que é uma ficção com verossimilhança, o professor pensa o mesmo do livro sagrado, sendo a bíblia também uma invenção. O discurso científico se choca com o da fé filosófico e o filme mostra a que veio nas brilhantes passagens existencialistas entre a sustentação do argumento de um contra o do outro, que o tenta convencer.

O mundo esvaziado de sentido e bondade para o professor o fez decidir tentar acabar com a sua própria vida, sem mais significado. Ele afirma em uma passagem que o declínio da civilização ocidental se deu por séculos, até ter o seu fim, o apocalíptico desfecho nas chaminés de Dachau (campo de concentração nazista) – Lembrei-me do Adorno, ao falar que o mundo não seria o mesmo após Auschwitz. Tudo o que ele amou um dia; as culturas, o conhecimento, as letras etc, já não tinham mais propósito, pois eram crenças fracas, diferente da fé do homem negro que tenta convencê-lo.

Outra passagem interessante é quando o professor afirma que a bíblia aponta centenas de caminhos ao qual não devemos seguir, as escolhas erradas, mas apenas um caminho que seria a salvação, em Cristo. Na visão do velho acadêmico, seria uma prepotência impor uma única verdade e salvação, em um mundo tão dispare com diversas óticas e situações distintas.

O esforço do velho operário negro começa a trazer argumentações religiosas e uma certa limitação se comparado com o conhecimento cientifico e antropológico do professor, que parece sempre vencer a cada tentativa de convencimento do operário. Assustado com tamanha visão niilista do professor, já quase sem argumentações convincentes, o velho operário começa a desesperar-se sem entender a lógica e cosmovisão de seu oponente, e apela à reza, à oração, sem entender como Deus pôde permitir que um de seus filhos chegasse a tal “fundo do poço” sem a vontade de viver, naquela situação, querendo interromper a própria vida.

Há uma cena em que o professor deitado no sofá, parece que está no divã de uma sessão de análise, e o homem negro avalia seu relato. A escolha dos personagens não é por acaso. Um negro e um branco, para metaforizar que as coisas não são “preto” e “branco”, não necessariamente as coisas complexas mundanas e da vida se dão por binômios, pela dialética de síntese e antítese – há uma vastidão de pormenores e subcategorias que ou anulam ou tornam a visão hegeliana das coisas obsoleta.



Bem, não vou dar mais spoilers. Tanto a peça de teatro, que foi um grande sucesso, quanto o filme, produzido pelo próprio Tommy Lee Jones, valem a pena. The Sunset Limited nos escancara o perigo de uma vida sem sentido, e seja este religioso ou qualquer outro, um mínimo de significado precisamos ter para continuar seguindo em frente, principalmente em um mundo cruel competitivo onde os valores são o do mais forte, a trapaça reina, feito um darwinismo acentuado onde o sofrimento, que de acordo com o professor, é o que mais nos define (nessa passagem me lembrei de Miguel de Unamuno, “O Sentimento Trágico da Vida”) é a base de tudo. Estamos todos fadados ao sofrimento, mas nossa racionalidade ao menos nos permite fazer algo quanto a isso.

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