Por: David Vega
Baseado
na peça de Cormac McCarthy, Sunset Limited é um filme de 2011 basicamente
fundamentado e sustentado em um diálogo. Os recursos visuais e de câmera captam
expressões e detalhes do ambiente; um apartamento no subúrbio de alguma cidade
grande onde se passa a história.
Após
tentar um suicídio atirando-se na linha do metrô chamada Sunset Limited, um
professor (Tommy Lee Jones) é salvo por um homem negro (Samuel L. Jackson)
operário que o leva para seu recinto e inicia-se o filme com o questionamento sobre
sua real intenção de suicidar-se. Ao longo do filme, diversas questões
existenciais vão surgindo. O homem negro é dotado de uma fé cristã, enquanto o
professor é esvaziado de qualquer crença, e a peça mostra bem o embate daqueles
que já não veem significados e propósitos maiores frente os que mesmo diante de
toda a miséria humana, no caso do operário, vivendo em uma periferia, rodeado
do que ele próprio chama de “junkies”, os “nóias” que roubam frequentemente
suas coisas dentro de casa e toda a decadência de um local abandonado pelo
poder público, ainda assim, consegue ver motivos de sobra para continuar em
frente.
O
personagem de Samuel L. Jackson em certo momento conta que já esteve preso, e a
rotina da cadeia. Foi após um incidente de violência em que quase matou um
detento que teve a sua conversão. O professor questiona a Deus o fato de ter aparecido
para a aceitação de Jesus a um homem violento ao invés da própria vítima do
episódio que ficou inválida. Aquele velho operário insiste ao professor que viver
continua valendo a pena, pergunta-lhe quantos livros ele já leu na vida,
reparando que seu vocabulário é erudito. O professor responde que lia em média
dois livros por semana, multiplicado por 40 anos, milhares de obras já entraram
para o repertório do velho, mas o homem negro então indaga: “O senhor já leu
milhares de livros mas nunca leu a bíblia?”. Querendo saber qual seria seu livro
favorito, ele responde que talvez o “Guerra e Paz” (do Tolstoi), constatando
que é uma ficção com verossimilhança, o professor pensa o mesmo do livro sagrado,
sendo a bíblia também uma invenção. O discurso científico se choca com o da fé
filosófico e o filme mostra a que veio nas brilhantes passagens
existencialistas entre a sustentação do argumento de um contra o do outro, que
o tenta convencer.
O
mundo esvaziado de sentido e bondade para o professor o fez decidir tentar
acabar com a sua própria vida, sem mais significado. Ele afirma em uma passagem
que o declínio da civilização ocidental se deu por séculos, até ter o seu fim,
o apocalíptico desfecho nas chaminés de Dachau (campo de concentração nazista) –
Lembrei-me do Adorno, ao falar que o mundo não seria o mesmo após Auschwitz.
Tudo o que ele amou um dia; as culturas, o conhecimento, as letras etc, já não
tinham mais propósito, pois eram crenças fracas, diferente da fé do homem negro
que tenta convencê-lo.
Outra
passagem interessante é quando o professor afirma que a bíblia aponta centenas
de caminhos ao qual não devemos seguir, as escolhas erradas, mas apenas um
caminho que seria a salvação, em Cristo. Na visão do velho acadêmico, seria uma
prepotência impor uma única verdade e salvação, em um mundo tão dispare com
diversas óticas e situações distintas.
O
esforço do velho operário negro começa a trazer argumentações religiosas e uma
certa limitação se comparado com o conhecimento cientifico e antropológico do
professor, que parece sempre vencer a cada tentativa de convencimento do
operário. Assustado com tamanha visão niilista do professor, já quase sem
argumentações convincentes, o velho operário começa a desesperar-se sem
entender a lógica e cosmovisão de seu oponente, e apela à reza, à oração, sem
entender como Deus pôde permitir que um de seus filhos chegasse a tal “fundo do
poço” sem a vontade de viver, naquela situação, querendo interromper a própria
vida.
Há
uma cena em que o professor deitado no sofá, parece que está no divã de uma
sessão de análise, e o homem negro avalia seu relato. A escolha dos personagens
não é por acaso. Um negro e um branco, para metaforizar que as coisas não são “preto”
e “branco”, não necessariamente as coisas complexas mundanas e da vida se dão
por binômios, pela dialética de síntese e antítese – há uma vastidão de pormenores
e subcategorias que ou anulam ou tornam a visão hegeliana das coisas obsoleta.
Bem,
não vou dar mais spoilers. Tanto a peça de teatro, que foi um grande sucesso,
quanto o filme, produzido pelo próprio Tommy Lee Jones, valem a pena. The
Sunset Limited nos escancara o perigo de uma vida sem sentido, e seja este
religioso ou qualquer outro, um mínimo de significado precisamos ter para
continuar seguindo em frente, principalmente em um mundo cruel competitivo onde
os valores são o do mais forte, a trapaça reina, feito um darwinismo acentuado
onde o sofrimento, que de acordo com o professor, é o que mais nos define
(nessa passagem me lembrei de Miguel de Unamuno, “O Sentimento Trágico da Vida”)
é a base de tudo. Estamos todos fadados ao sofrimento, mas nossa racionalidade
ao menos nos permite fazer algo quanto a isso.
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