domingo, 28 de fevereiro de 2021

O Sétimo Selo - Ingmar Bergman

Por: David Vega.


O diretor, produtor e escritor sueco Ingmar Bergman, em 1957, lançou o filme do qual o projetaria como o cineasta do século na visão de muitos: “O Sétimo Selo” (Det Sjunde Inseglet), obra prima do neo-expressionismo, estrelando o ainda jovem Max Von Sydow, baseado na peça de teatro homônima, também de sua autoria.

Bergman nasceu no ano do término da Primeira Guerra Mundial, em 1918, e falecido em 2007, ele teria tido problemas com o fisco em sua terra natal, emigrando então para a Alemanha. No período de sua juventude, junto de seu pai, que era pastor protestante, chegou a ver um comício do próprio Adolf Hitler, episódio que o marcou profundamente e muito provavelmente serviu de material para outro filme célebre, “O Ovo da Serpente”, do qual em breve também irei escrever sobre.

O Sétimo Selo é um filme que trabalha a eterna discussão sobre a existência ou inexistência de Deus. A profundidade sobre um suposto silêncio divino que os materialistas e céticos dizem existir, todo este questionamento se dá pelo retorno de um cavaleiro cruzado, Antonius Block, aborrecido pela situação que encontra na terra santa, o que faz ele questionar o cristianismo e a fé quando regressa a uma Europa devastada pela peste bubônica.

O guerreiro então quer ter contato em pessoa com Deus, dialogar com esta entidade divina. O Sétimo Selo traz a ideia do apocalipse, escrito pelo evangelista João, sobre um castigo que vem de cima, a penalidade à banalidade humana, a revelação final. Mediando estes questionamentos de Block, não seria Deus que se revelaria em seu íntimo, este continua em silêncio, mas sim a figura materializada da morte, igual ao folclore de sua aparência, com o capuz, mas sem a caricata foice. O mundo de Block é desprovido de sentido, e ele passa a desafiar a figura da morte, inclusive em uma partida de xadrez - talvez a cena mais conhecida do filme.


    

    Bergman usa a ideia também de idealismo x realismo, na figura do escudeiro do cruzado renegado, que muito lembra o personagem Sancho Panza de Cervantes em “Don Quixote de la Mancha”. Para quem não lembra, o fidalgo quixotesco idealiza as novelas de cavalaria enxergando moinhos como gigantes, uma donzela, Dulcinéia, que é uma mulher da vida de um vilarejo popular. No fundo, Sancho sabe que é um delírio de seu mestre, mas há momentos em que ele fica entre a crença no que Don Quixote diz, e sua razão que vê a realidade, muito disso pela promessa de uma ilha que lhe prometera o cavaleiro da triste figura. No filme de Ingmar, o cavaleiro é um produtor de teoria, de abstração, de questionamento “um pensador” - um questionador, cuja perda de fé é brilhantemente metaforizada em uma outra cena conhecida, em que o cruzado conversa com a morte no confessionário de uma igreja, tendo a figura icônica encapuzada no lugar do padre. Isso nos diz que a religião e a igreja estão esvaziadas, e precisou se utilizar do medo para manter o status quo, vide o que veio após, até mesmo perdurando o início da Idade Moderna: a inquisição. Enquanto o escudeiro, é um conformado, alguém satisfeito com a vida e que não se preocupa com o sentido da mesma (ou a falta de).    

    Há momentos de alegria também, como na cena em que Block e os demais personagens desfrutam de um piquenique, simbolizando que na vida também existem surtos de felicidade, mesmo sendo ela em sua amplitude o eterno sofrimento do vazio, esvaída de propósito. Quando a morte começa a levar os personagens, no momento do limite, Block, que perdera a fé, recorre a ela quando percebe que a sua hora se aproxima. O cineasta brinca com a ideia do que popularmente se fala: “Não existem ateus quando o avião está caindo”, mas eu diria que a fé não se resume só ao transcendente, à entidade fora do universo, somos imanentes, e ela pode ser horizontal, a fé na humanidade, a fé na natureza (panteísmo ou animismo). Quando dizemos que um povo tem fé, como o brasileiro ou o argentino, isso pode ser tanto em santos quanto em uma equipe de futebol.

     O filme também tem uma outra cena conhecida, a dança da morte. A abertura de cada selo, segundo a bíblia, representa um desastre para a humanidade, sendo o último deles (o sétimo) o fim dos tempos de forma irreversível. Por isso Bergman escolheu a frase antes de iniciar a trama:

“E havendo o Cordeiro, aberto o sétimo selo, fez-se silêncio no céu quase por meia hora”. Apocalipse (8:1).

    O cineasta cria um enredo no qual, no encerramento do filme, os personagens são conduzidos pela morte de mãos dadas, dançando. Talvez em referência à Danse Macabre, usualmente pintada em afrescos de igrejas na Idade Média.

Também é trabalhada a ideia da “sagrada família”, no núcleo familiar de um dos ciganos artistas circenses que aparece na caravana que Block acompanha, sendo a única que se firma diante da morte. Se Deus existe, ele se manifesta pela união familiar, e não é uma entidade inalcançável. A ideia me pareceu bem convincente, de fato delegamos Deus a uma instância que está fora de nós, para “além da física”, mas a divindade se encontra em qualquer detalhe de nossa rotina, podendo “Deus” ser o homem, na minha visão, desprovido de sentido ou não, somos nós os protagonistas de nossas vidas, e em meio a um céu vazio, permaneceremos em pé ante as ruínas, quando o sétimo selo for aberto. 

Recomendo este clássico!

 

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