Por
David Vega.
Definitivamente
meu livro favorito! Eu conheci Thoureau através de outro ensaio seu, o
“Desobediência Civil”, na minha época de tendência anarquista. Martin Luther
King Jr, Kennedy e Gandhi foram alguns líderes influenciados por seu
pensamento.
Por
não pagar impostos, Thoureau passou a noite detido, e refletindo sobre o caso,
escreveu relatando o assédio do Estado para com o cidadão, o monopólio do uso
da violência pelos órgãos, ideia weberiana (Thoreau é anterior a ele).
No
ano de 1845, cansado da civilização, decide isolar-se em uma cabana às margens
do lago Walden, em um bosque próximo a Concord (Massachusetts). Esta
experiência pode ser considerada como precursora de inúmeros outros livros e
filmes inspirados em “Walden – A Vida nos Bosques”. Me vem à cabeça o “Na
Natureza Selvagem” de Jon Krakauer e o filme “Capitão Fantástico” com Vigo
Mortensen, entre outros. É a ideia do retorno à natureza, defendida por
Rousseau.
No
filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989), o “captain”, professor interpretado
por Robin Williams, cita uma passagem de Walden: “Fui ao bosque porque queria
viver a vida”. Thoreau era amigo de Ralph Waldo Emerson, ambos encabeçaram o
movimento transcendentalista da literatura norteamericana, inclusive as terras
em que ele construiu a sua cabana eram propriedade de Emerson. A negação à vida
civilizada e a contemplação da natureza que ele nos legou serviu de base à onda
hippie na década de 1960, que tinha Thoreau como ídolo (até mesmo peregrinações
ao bosque em que ele viveu acontecem nos dias atuais).
O
livro é um hino à vida simples, à oposição do consumo desenfreado, às
aparências de uma vida vazia em sociedade, isso ainda no século XIX. Ele narra
suas atividades cotidianas carregadas de reflexões filosóficas e
antropológicas. Lembro-me de uma passagem em que fala que os europeus morriam
de frio em volta da fogueira na época da colonização, e os nativos andavam nus,
pois seu calor seria interno, dispensando vestimentas, diz que o verdadeiro
filósofo tem esse calor interior. Também menciona a roupa, pessoas que preferem
se rastejar a andar com uma calça remendada, em uma sociedade que te avalia
pela vestimenta; no caso, um cão latia direto para um espantalho, enquanto que
abanava o rabo para bandidos andando sem roupa – a nudez nos une a todos!
Afirma
que hoje temos professores de Filosofia, e não filósofos. A vida simples aos
olhos de muitos é anormal, ele era agrimensor, quando resolveu largar seu
ofício para viver na floresta, pensaram em interná-lo, como se tivesse
“enlouquecido”. Identifiquei-me muito com sua experiência, e lembro sempre do
livro quando vou colher abacates no terreno do vizinho ou varro as folhas do
quintal. Não precisamos de muitas frivolidades e supostos luxos que nos
aprisionam. Quem experencía o campo não consegue voltar ao urbano, aos velhos
atavismos de um lócus artificial onde lá sim é a verdadeira competição e não na
“selva”.
Outra
passagem que gosto é em relação a estarmos “conectados” o tempo todo, ele fala
das estradas de ferro (imagina se visse as viagens transoceânicas de avião
atuais!). A mobilidade das fronteiras vive se alterando, como em uma
confederação germânica, nem mesmo o alemão saberia dizer qual o limite de sua
pátria.
“O
país em si, com todos os chamados avanços internos, aliás, são externos e
superficiais, é uma instituição descomunal e exageradamente crescida,
atravancada de mobília, presa nas próprias armadilhas, arruinada pelo luxo e
pela gastança desenfreada, pela falta de cálculo de um objeto digno”. (THOREAU).
O célebre escritor
critica a vida “depressa”, vivemos muito rápido, pensamos em fazer comércio de
tudo, quantificamos em valores todas as instâncias da vida, bem como a nossa
força de trabalho e o pensamento abstrato.
Por
que precisamos nos comunicar por telégrafo ou locomovermos por trilhos? Nossa
vida é pautada pela atividade laboral, uma vida de servidão para se construir
os trilhos, remendamos a nossa vida para tentar melhorá-la; se todos resolverem
não acordar cedo e sair à labuta, quem irá construir os trilhos? Não haverá
ferrovia! Em cada estrada de ferro do país estão os anos perdidos de servidão
da grande massa, sejam os que martelam os pregos nela ou os que deslizam sobre
os trilhos para chegar a lugar nenhum.
Thoreau
também confessa que o serviço postal é irrelevante, o correio não lhe fazia
falta, uma vez que acontecimento algum seria de extrema importância desde a
última notícia que se ficasse sabendo. Por exemplo, se soubesse da coroação de
um novo rei na Espanha, isso já bastava para estar informado sobre o país, não
precisamos a toda hora acompanhar cada declaração, cada movimentação de uma
celebridade ou evento, eu penso que se ele tivesse visto a internet hoje,
estaria ainda mais horrorizado com o volume de informação e poluição visual.
Basta você saber que Isabel e Fernando unificaram a Ibéria, ou os motivos da
Revolução Francesa ou da Revolução de 1649 na Inglaterra e pronto, já sabe o
essencial, pois alguns eventos e notícias, como as relevantes, nunca ficam
velhas ou ultrapassadas.
O minimalismo está na moda para algumas pessoas, Thoreau ganha seguidores desta
febre. Há uma passagem em que ele fala que uma casa não precisa de mesas com
dez ou mais cadeiras, sofás e poltronas, no máximo deveríamos receber uma ou
duas visitas esporadicamente, e para isso, um lugar para se sentar já seria o
suficiente, podendo ser até no cimento ou chão batido. Recordo do Jeca
Tatú, no conto do “Urupês” de Monteiro Lobato, que tinha apenas um banquinho de
três pernas, então o encostava na parede para sentar-se, com preguiça de pregar
a quarta perna. Uma casa não precisa de móveis, basta uma cama feita de folhas
ou palha, um fogão, e já está!
Apesar
de sua vida dedicada à negação do mundo industrial, Thoreau morreu cedo, aos 45
anos, de bronquite. O que poucos sabem é que ele também foi professor na escola
pública, profissão que abandonaria rapidamente, pois se recusava a aplicar o
castigo corporal aos considerados “preguiçosos e indisciplinados”, alunos
estes, que muito ele se identificava, por não se atarem às regras. Também foi
funcionário de uma fábrica de lápis, sendo o criador do uso da argila para
fixar o grafite na estrutura de madeira, dando forma ao lápis que conhecemos
hoje (até então se escrevia com carvão).
“Nunca
haverá um Estado verdadeiramente livre e esclarecido até que o próprio Estado
venha a reconhecer a pessoa como um poder superior e independente do qual
deriva todo o seu poder e autoridade e o trate em conformidade”. (no
ensaio “Desobediência Civil”).
O notório escritor filósofo se opunha ferozmente à escravidão, colaborando com
o movimento abolicionista de sua época, e militou frente à investida dos
Estados Unidos contra o México, em uma guerra que roubou dos mexicanos quase
metade de seu território.
Ele foi um ávido observador naturalista, registrando em seu livro como a
floresta se regenerava após algum incêndio (inclusive chegou a ser acusado de provocar
um e negligenciar enquanto pescava), como os animais ou o vento espalhavam as
sementes. Tem uma passagem no livro em que fala da espessura do gelo, e
descreve as camadas congeladas do lago no inverno, até mesmo as bolhas que
formavam entre elas. Descreve os lagos das redondezas como “mais belos que as
nossas vidas” e “mais transparentes” que o carácter dos homens. Para Thoreau, a
alegria era a condição da vida. Bastava estarmos respirando, contemplar o meio
ambiente que nos abriga.
De acordo com os transcendentalistas, existiria uma unidade essencial de toda a
criação, espécie de animismo; além da bondade inata do ser humano (muito
questionada pelos hobbesianos). A alma de cada indivíduo é idêntica à alma do
mundo e contém o que o mundo contém. As condições naturais e espirituais
possuem uma horizontalidade, e não há uma hierarquia entre seres humanos e
animais.
No
capítulo XV, ele descreve raposas e cães selvagens uivando para a lua, “como se
se debatessem nas garras de alguma angústia, ou quisessem expressar-se, lutando
por claridade ou por serem de uma vez cães”, ali, indaga se não existe
uma civilização também entre os animais, igual entre os homens: “Para
mim, assemelham-se a homens rudimentares, escondidos nas tocas e ainda na
defensiva, à espera da transformação” (THOREAU, 299).
Se eu fosse colocar cada parte interessante desta obra incrível, praticamente a transcreveria aqui. Posso dizer que não sabemos quem realmente somos, não vivemos adversidades o suficiente para termos noção de nossa reação quando ficamos sem fogo, aquecimento ou uma refeição. Viver nos bosques é um exercício de autoconhecimento, é uma forma de filosofar na práxis, e talvez é isso que o sistema não queira, que tenhamos uma outra cosmovisão e estilo de viver, se utilizando de toda essa ideologia consumista e a urbanização desenfreada, que cada vez mais nos afasta da natureza.
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