Por: David Vega.
Praticamente todo mundo conhece alguma
história de viagem no tempo, teorias de "time Travellers" que
aparecem em fotos usando objetos do futuro quando ainda não teriam sido
inventados. Quem nunca acompanhou a série cinematográfica "De volta para o
Futuro"?
Mas o que poucos sabem, é que essa ideia de
perpassar épocas viajando em máquinas mirabolantes, foi primeiramente
idealizada pelo escritor britânico H. G. Wells, considerado o pai da ficção
científica, quem em 1895, abriu as portas da especulação da viagem no tempo
antes da teoria da relatividade de Einstein.
Dentre as suas previsões, estão a bomba atômica,
um Estado universal, o tanque de guerra, o correio de voz e os lasers. Wells
era ainda um árduo defensor do socialismo, chegou a concorrer ao parlamento
pelo Partido Trabalhista, a ideia utópica de uma sociedade igualitária sempre
aparece metaforicamente em seus livros, bem como a crítica ao imperialismo de
seu tempo. Lançou o "The Rights of Man: What are we fighting
for?" (Os Direitos do
Homem: Pelo que estamos lutando?), ensaio que serviu de inspiração para a
Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948.
A "Máquina do Tempo" é seu primeiro
romance, originalmente publicado em folhetins, porém há outros famosos como
"O Homem Invisível", que virou uma série de TV e "A Guerra dos
Mundos", este chegou a ter uma adaptação dirigida por Steven Spielberg.
Devido sua formação em biologia, ele usa elementos da seleção natural de
Darwin, constitui uma forte crítica à sociedade industrial e às desigualdades
sociais, através de dois grupos que iriam compor o futuro no ano de 802701, os proletários
Morlocks e os privilegiados Eloi (menção à luta de classes marxista).
Quando se fala em arte ou estética, sabemos que ela tem um papel fundamental que conduz e busca orientação do efeito desejado, da "mensagem que se quer transmitir". Pode-se afirmar que o discurso ideológico da obra não fica atada apenas aos diálogos, como se fosse uma ordenação. Cada elemento tem uma representatividade metafórica de algum conceito ou personalidade existente, e é fácil identificar tais visões do autor no livro.
O enredo é de um cientista que apresenta uma
geringonça ao prefeito de Londres e um psicólogo, todos os personagens são
chamados pelas suas funções. Foi inspirado no pessimismo de Jonathan Swift em
"As Viagens de Gulliver", na época, os livros ficção serviam para
justificar o imperialismo, temos "As Minas do Rei Salomão", de
Haggard e "O Mundo Perdido" de Sir Arthur Conan Doyle, por isso a
fantasia de Wells é pioneira, não só no estilo, mas na abordagem crítica.
Pois bem, o cientista tenta convencer as
autoridades de que seu invento realmente pode transportar as pessoas através do
tempo. Segundo ele, o Espaço, para os matemáticos, teria três dimensões;
comprimento, largura e altura, definidas em relação a três planos, cada qual em
ângulos retos aos demais. Mas haveria a quarta dimensão, por exemplo, no
pensamento intangível, as coisas de ordem abstrata. Se é possível pela memória
lembrarmos de um evento que vivenciamos no passado, mesmo que nos transpomos à
imagem e sensação por alguns segundos, sua máquina seria capaz de levar a
matéria, no caso o nosso corpo, para este lapso de memória, e ainda, avançar no
tempo também, para aquilo que projetamos.
Então, o personagem narra a sua experiência.
Diz que encontrou no futuro uma raça de possíveis humanoides de baixa estatura
e um idioma de difícil compreensão. A ideia socialista do autor aparece quando
ele descreve que a competição, que seria uma enérgica tentativa de distinção, havia sido superada pela abundante vitalidade que a humanidade teria para mudar
as condições que vivia. Fazendo daquela energia incansável competidora a nossa
fraqueza. A guerra fora abolida, as doenças, bem como a necessidade de labuta.
A sociedade havia se tornado vegetariana e frutífera, sendo que os animais que
conhecemos foram extintos. Como o autor menciona: "Nós nos mantemos
aficionados pela pedra de amolar da dor da necessidade, e parecia-me que essa
odiosa pedra finalmente se partira". A população mundial fora controlada,
sem o aumento exponencial, fruto da explosão demográfica após a agricultura,
sobretudo depois da Revolução Industrial.
O narrador faz amizade com uma habitante
chamada Weena, e embora não consiga se comunicar muito bem, através dela vai
compreendendo melhor aquela civilização. Percebe que todos morrem de medo do
escuro, ele perde a sua máquina e a chance de voltar ao presente, sempre
desejou o dia de amanhã, e agora quer voltar para o ponto de partida. A máquina
ficou detida dentro de uma grande esfinge branca, da qual os Eloi, a raça
alegre e igualitária, temiam.
Com o passar do tempo ele descobre uma fenda
subterrânea, e toda a impressão de futuro justo que tinha, cai por terra. Uma
outra raça, a dos Morlocks, vivem embaixo da terra. Seus olhos refletem a luz,
como de animais noturnos, igual as corujas e os gatos. São mais altos e fortes,
parecem primatas. Depois de tanto tempo servindo à aristocracia, a sociedade
saudável e feliz era restrita a uma minoria que podia ver a luz. O autor
menciona o operário de sua época, que passava quase todo o tempo sem ter
contato com o sol, em metrôs, túneis, minas de carvão, fábricas e lojas
subterrâneas, no futuro, a espécie evoluiu e ele adaptou-se a viver como
toupeiras, uma crítica ao estilo de vida e falta de lazer das classes
trabalhadoras do século XIX. As classes dominantes teriam diminuído de estatura
e se infantilizado, como um ser que não vive adversidades reais da vida, de
tanto usurpar a massa, teriam regredido, tornando-se inocentes. O que o
personagem não entende é como as duas classes se mantém segregadas, ocupando
rigorosamente seus espaços na sociedade, sem uma revolução ou mudança dos
explorados, que parecem ser bem mais fortes. A ideia de que a base da pirâmide
é mais numerosa que o topo.
Os Morlocks eram carnívoros e tinham
aparência horrível, viviam em meio à sujeira e decadência, uma metáfora aos
guetos da Londres daquela época. Talvez a grande esfinge e o Palácio Verde
mencionados no livro se refiram aos templos religiosos e à ciência, no edifício verde havia fósseis e era uma espécie de museu, ambos servem como a
argamassa que sustenta a estrutura social, além de reproduzir a ideologia dos dominadores.
Nas noites de lua nova, onde a escuridão se
acentua, os Morlocks saem do subsolo e atacam os indefesos Eloi, farejam a
carne. Wells fala que embora ainda haja as duas classes antagônicas, a relação
entre elas é de atrito, talvez uma referência aos movimentos revolucionários,
mas mesmo assim, ainda há a distinção entre elas. Não vou contar mais sobre o
livro, recomendo a leitura, é sem dúvida uma maneira lúdica de se aprender
sobre luta de classes, alienação e consciência de classe, através do
entretenimento da ficção e fantasia de um futuro fantástico.
Outra coisa pouco mencionada é que uma das
distopias, criadas por um autor nacional, foi por Monteiro Lobato, em seu
"O Choque das Raças", que mais tarde renomearam "O Presidente
Negro", inspirado em Wells, fala também de uma máquina do tempo e um
futuro em que a América teria um presidente negro e isso desencadearia um
conflito entre as raças. O livro é pouco divulgado por ser considerado racista,
devido às ideias eugênicas de Lobato, porém é incontestável a qualidade do
texto e a influência do escritor britânico.
Não saberia dizer como será o dia de amanhã,
o historiador é um profeta com os olhos voltados para trás, como dizia Eduardo
Galeano, mas afirmo que quem tem a narrativa sobre o passado, controla o futuro
(e o presente), e enquanto tivermos um arcabouço enorme entre as classes, não
me admira termos humanos vivendo nos esgotos como ratos, e uma classe
privilegiada imune à luz, pois ali, nesta realidade distópica, bem como hoje, o
sol parece não nascer para todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário