Dica de filme:
“Longe dos Homens”, do diretor David Oelhoffen. A trama se passa na Argélia de
1954, durante a guerra de independência, o ator Vigo Mortensen vive um pacato
professor de uma aldeia, sua origem é andaluza, e em meio ao conflito, ele é
considerado “árabe demais” para os franceses e “francês demais” para os
argelinos. Dividido entre esses dois mundos, parte em uma jornada para ajudar
um amigo árabe, Mohammed (Reda Kateb), partir para um vilarejo distante, pois o
mesmo teria sido jurado de morte devido vinganças motivadas por brigas
familiares.
Durante
essa jornada, além de descobrir uma grande amizade, os dois se deparam com
guerrilheiros argelinos e o próprio exército colonial francês, onde podemos
aprender um pouco sobre o conflito que é o pano de fundo dessa história
incrível. Minha modesta leitura é, que não foi por acaso que o roteirista
escolheu retratar a amizade entre um colono europeu de uma nação rival da
França (no caso a Espanha) e um árabe rejeitado pelos argelinos, a união destes
dois simbolicamente representa uma nova Argélia, a mão branca apertando a mão
moura, porém ambas mãos seriam aquilo que havia sido expurgado tanto do mundo
europeu quanto do africano, eles seriam os “moderados” que promoviam uma união
entre essas nações, o que seria a resultante desse embate nos dias atuais,
tanto em uma Argel repleta de franceses quanto uma Paris mouresca, onde existem
argelinos de olhos claros e franceses morenos, integrando dois mundos que tem
mais em comum do que imaginam.
Não
é por acaso também, que o personagem de Vigo Mortensen é um professor que
leciona História para crianças árabes, tanto no idioma local quanto em francês,
e as poucas cenas que aparece ele na classe, mostra uma aula com um conteúdo de
integração, o mesmo fala dos gauleses, mas também das primeiras sociedades que
tinham a grafia, na Mesopotâmia e no Egito, locais dos quais o norte da África
descende (além dos persas).
Daru (Mortensen) não concorda com a guerra e se sente totalmente
deslocado. A polícia questiona sua lealdade , acreditando que ele pode ser um
traidor disfarçado. O conflito foi durante o regime autoritário
do General DeGaulle, herói da resistência francesa durante a Segunda Guerra
Mundial, mas que centralizou a república após o conflito. É bem verdade que a
URSS, assim como viria a fazer com Angola e Moçambique, apoiou grupos guerrilheiros
argelinos na intenção de proclamarem uma independência com viés socialista, o
que não ocorreu. A França e a Argélia tem uma proximidade não apenas histórica
e geográfica, mas de espírito, não obstante o maior contingente da Legião
Estrangeira seja de norte-africanos com dupla nacionalidade.
O filme é baseado no conto “O Hóspede”, do francês de origem argelina
Albert Camus. Realmente surgiram duas guerras, uma contra o domínio
imperialista francês e outra entre os dois partidos revolucionários argelinos.
Seu principal partido era o FLN, e os franceses ali estavam desde 1830, um país
marcado pelos ataques em massa, façanhas terroristas de ambos os lados, como
método arbitrário, torturas da polícia secreta francesa. Os métodos desumanos
contra argelinos foram escondidos da população francesa, que seria claramente
contra as crueldades, visto que o movimento por Direitos Humanos e o pacifismo
ganharia notoriedade na década seguinte durante a Guerra do Vietnã. O governo
francês censurou vários jornais e meios de comunicação para esconder a verdade.
O FLN venceu, tendo a França que reconhecer a independência da Argélia em
5 de julho de 1962. Eu estive em Paris no ano de 2019, em uma Sacre Coeur,
Champs Élysées ou no bairro Lafayette onde a população árabe rivaliza a local,
em um país ponte entre o mundo de Aníbal e o de Carlos Magno, é ali que a
cultura mescla impera, em um mundo que abole fronteiras, mas ainda caminha a
passos lentos contra o racismo e a intolerância religiosa; que o filme
simbolizando a parceria de Daru e Mohammed nos lembre que no Mediterrâneo há
muito mais coisas que nos une do que separa.
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