domingo, 28 de fevereiro de 2021

Longe dos Homens - (David Oelhoffen)

Por: David Vega.


Dica de filme: “Longe dos Homens”, do diretor David Oelhoffen. A trama se passa na Argélia de 1954, durante a guerra de independência, o ator Vigo Mortensen vive um pacato professor de uma aldeia, sua origem é andaluza, e em meio ao conflito, ele é considerado “árabe demais” para os franceses e “francês demais” para os argelinos. Dividido entre esses dois mundos, parte em uma jornada para ajudar um amigo árabe, Mohammed (Reda Kateb), partir para um vilarejo distante, pois o mesmo teria sido jurado de morte devido vinganças motivadas por brigas familiares.

Durante essa jornada, além de descobrir uma grande amizade, os dois se deparam com guerrilheiros argelinos e o próprio exército colonial francês, onde podemos aprender um pouco sobre o conflito que é o pano de fundo dessa história incrível. Minha modesta leitura é, que não foi por acaso que o roteirista escolheu retratar a amizade entre um colono europeu de uma nação rival da França (no caso a Espanha) e um árabe rejeitado pelos argelinos, a união destes dois simbolicamente representa uma nova Argélia, a mão branca apertando a mão moura, porém ambas mãos seriam aquilo que havia sido expurgado tanto do mundo europeu quanto do africano, eles seriam os “moderados” que promoviam uma união entre essas nações, o que seria a resultante desse embate nos dias atuais, tanto em uma Argel repleta de franceses quanto uma Paris mouresca, onde existem argelinos de olhos claros e franceses morenos, integrando dois mundos que tem mais em comum do que imaginam.

Não é por acaso também, que o personagem de Vigo Mortensen é um professor que leciona História para crianças árabes, tanto no idioma local quanto em francês, e as poucas cenas que aparece ele na classe, mostra uma aula com um conteúdo de integração, o mesmo fala dos gauleses, mas também das primeiras sociedades que tinham a grafia, na Mesopotâmia e no Egito, locais dos quais o norte da África descende (além dos persas).

Daru (Mortensen) não concorda com a guerra e se sente totalmente deslocado. A polícia questiona sua lealdade , acreditando que ele pode ser um traidor disfarçado. O conflito foi durante o regime autoritário do General DeGaulle, herói da resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial, mas que centralizou a república após o conflito. É bem verdade que a URSS, assim como viria a fazer com Angola e Moçambique, apoiou grupos guerrilheiros argelinos na intenção de proclamarem uma independência com viés socialista, o que não ocorreu. A França e a Argélia tem uma proximidade não apenas histórica e geográfica, mas de espírito, não obstante o maior contingente da Legião Estrangeira seja de norte-africanos com dupla nacionalidade.

O filme é baseado no conto “O Hóspede”, do francês de origem argelina Albert Camus. Realmente surgiram duas guerras, uma contra o domínio imperialista francês e outra entre os dois partidos revolucionários argelinos. Seu principal partido era o FLN, e os franceses ali estavam desde 1830, um país marcado pelos ataques em massa, façanhas terroristas de ambos os lados, como método arbitrário, torturas da polícia secreta francesa. Os métodos desumanos contra argelinos foram escondidos da população francesa, que seria claramente contra as crueldades, visto que o movimento por Direitos Humanos e o pacifismo ganharia notoriedade na década seguinte durante a Guerra do Vietnã. O governo francês censurou vários jornais e meios de comunicação para esconder a verdade.

O FLN venceu, tendo a França que reconhecer a independência da Argélia em 5 de julho de 1962. Eu estive em Paris no ano de 2019, em uma Sacre Coeur, Champs Élysées ou no bairro Lafayette onde a população árabe rivaliza a local, em um país ponte entre o mundo de Aníbal e o de Carlos Magno, é ali que a cultura mescla impera, em um mundo que abole fronteiras, mas ainda caminha a passos lentos contra o racismo e a intolerância religiosa; que o filme simbolizando a parceria de Daru e Mohammed nos lembre que no Mediterrâneo há muito mais coisas que nos une do que separa.


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