sábado, 27 de fevereiro de 2021

México Insurgente - John Reed

Por: David Vega



    Clássico do jornalismo político. John Reed, nascido no Óregon, foi antes de Hemingway o maior correspondente de guerra. Eu gosto mais do seu "México Insurgente" do que o mais famoso, "Os 10 dias que abalaram o mundo" (como correspondente na Revolução Russa). Ele relata em 1914 o que acarretou a queda de Porfírio Diaz, os grupos zapatistas que seriam o embrião da luta do subcomandante Marcos atualmente, e o jovem Pancho Villa, a reinvindicação de reforma agrária em um México que após a independência voltou à monarquia com o Habsburgo imperador Maximiliano sob a interferência de Napoleão.

    O livro relata os bastidores, os campesinos, é um belo exemplo de que se pode fazer uma obra prima a partir de relatos, a metonímia, da parte ao todo, e a História tem que ser contada por memórias de quem a viveu. O México, de longe tem uma tradição revolucionária muito mais avançada que a nossa, eles tiveram um Benito Juarez, de quem o pai de Mussolini, que era socialista, homenageou o filho (que ironia), somente um Prestes viria a ocupar cargo semelhante com a sua coluna, até surgir a figura mitológica do Che Guevara, este, aliás, tinha como favorita essa obra de Reed, e a leu quando estava no México, antes de conhecer Fidel, depois viria relê-la quando estava a caminho da luta no Congo. Uma outra América seria possível?

    Durante a conquista do México os astecas perguntaram a Cortés porque ele queria tanto ouro, e o mesmo respondeu que ele e seus homens tinham uma doença no coração que se curava com o metal. A riqueza para os astecas seria o cacau. Desde então duas visões sobre o país pairaram, a elite espanhola não era bem quista por Villa e seus guerrilheiros, pois há anos exploravam os mestizos com sua ganância. Nesta época da revolução muitos deles deixaram a América e voltaram à Europa. Depois da elite quatrocentona ibérica, os mexicanos teriam outros senhores, os ianques, que tomaram quase metade de seu território no século anterior.

    Antes, Francisco Madero, um revolucionário que iniciou a campanha contra o porfiriato (Porfírio Diaz, ditador que inspirou inclusive o cineasta Glauber Rocha em "Terra em Transe"), foi morto em 1913. Daí uma série de grupos insurgentes disputavam o poder, os mais radicais pediam a reforma agrária e o fim da propriedade privada, representados por Pancho Villa no norte e Emiliano Zapata no sul. O general Villa era conhecido como o “Coiote do Norte” pelos federais apoiados pelos EUA, outro grupo era o dos constitucionalistas, mais moderado, representados pelo futuro presidente Venustiano Carranza. A constituição mexicana, após a queda do ditador Porfírio e Victoriano Huerta, em 1917, quando foi promulgada, foi a primeira da História a incluir os chamados Direitos Sociais, dois anos antes da Constituição de Weimar. A nossa paulista de 1932, promulgada em 1934, seguia nessa linha, deu voto às mulheres e o ensino universal, mas foi sobrepujada pela “polaca” do Estado Novo varguista em 1937.

    Havia também os colorados, que lutavam por Huerta, combatidos por Villa, este que segundo uma passagem de Reed, não queria ser presidente, se considerava um guerreiro e não um político, sendo leal à Carranza, que apesar de constitucionalista, era aristocrata e não incluía a reforma agrária da forma que os revolucionários queriam, seria uma espécie de “Lafayette”, o aristocrata francês que apoiou a revolução contra a sua própria classe, com o tempo, o presidente Carranza passou a atender os interesses norteamericanos, armou seus empregados que trabalhavam em suas terras, feito um senhor feudal, então, Villa atacou a cidade de Columbus, em 1916, invadindo o território dos EUA. Os estadunidenses se referiam aos mexicanos como “greasers” (sebosos) e muito do preconceito em relação aos hispânicos vem desta época.

    A Constituição mexicana de 1917 foi a única que falava da questão da terra comunal, nos seus artigos 25 e 27. Mas em 1992 o governo neoliberal removeu esta cláusula da carta.

    Pancho Villa morre em uma emboscada dos ianques em 1923, levando vários tiros, na província de Chihuahua. John Reed chegou a entrevistar o grande general, há uma passagem clássica na versão do livro adaptada ao cinema, em que apresentam um general bigodudo de sombrero, fumando charuto, preocupado com a educação das crianças, muito embora ele próprio fosse analfabeto.

    Lembro de uma passagem do livro que me chamou a atenção também, quando ele está em um pueblo (aldeia), creio que junto de outro general, Obregón, e uma mexicana se insinua a ele. Os demais pistoleiros ficam irados por uma de suas mulheres estar dando mole a um gringo. Depois de algumas tequilas, Reed se deita com ela, mas a mesma não tira a sua roupa e não deixa que ele a beije, não acontecendo nada naquela noite. Então ela fala:

- Gosto de vocês gringos porque são limpos, por isso vim dormir contigo, mas sou muito fiel a meu marido!

    Reed fica sem entender nada, a mulher vai dormir com ele, mas permanece leal a seu homem, um dos revolucionários. Costumes incomuns, de aldeias arrasadas pela artilharia do governo e igrejas de paredes de adobe resistentes ao imperialismo que desde o Big Stick na guerra de Cuba visava transformar “o sul da fronteira” no quintal dos americanos.

    O livro me cativou mais do que os demais trabalhos de Reed, a versão cinematográfica Reds (Vermelhos) sobre sua atuação na Revolução Russa é mais bem feita do que a quase amadora “México Insurgente”, filme que mistura a narrativa documental com a ficção. Após a sua experiência na emergente União Soviética, Reed funda o Partido Comunista Americano, e embora seja um ícone da esquerda mundial, até hoje é controverso e não muito bem visto nos EUA. Está enterrado em Moscou.

    A gente vê estes correspondentes de guerra no Haiti ou na Síria hoje, com a câmera repórter e colete, se arriscando para conseguir a melhor imagem, e não imaginamos estes grandes escritores em conflitos como fez Orwell, Hemingway e Reed, em tempos que a arma não era apenas o fuzil, mas o traço de pena que deixaram para a posteridade, alimentando a imaginação de seus leitores por gerações, como a minha ao ler as suas façanhas na adolescência.  

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