Por: David Vega.
O
poeta Antonio Machado nasceu em Sevilha no ano de 1875, mas cresceu em Madri.
Estudou em Paris, conhecendo a literatura da época. “Soledades” foi sua
primeira obra que reunia poemas, pouco depois da virada do século (em 1903).
Machado pode ser considerado o precursor do Modernismo na Península Ibérica,
importando as tertúlias dos cafés parisienses, quando instala-se em Sória como
catedrático de francês e se casa com Leonor Izquierdo, que adoeceria e morreria
em 1912. O grande poeta deixa o Douro para lecionar na capital, surgindo os
belos versos à misteriosa “Guiomar”.
Ao
eclodir a Guerra Civil, Machado foi viver em Valência fugindo de Madri sob
pressão do governo, que queria assegurar que ele não sofresse o mesmo destino
de outro artista intelectual espanhol, o dramaturgo Federico Garcia Lorca,
assassinado pelos sublevados em Granada devido à sua inclinação ao anarquismo e
outros fatores que o acusavam de imoral, por ser notoriamente
homossexual.
Em
abril de 1938, Machado e sua família muda-se para Barcelona, a capital catalã
era palco dos conflitos mais intensos, local berço do anarquismo e separatismo,
sendo bombardeada pela Legion Condor nazista (inclusive a Catedral de Barcelona
foi parcialmente destruída). Terminada a guerra, o poeta como tantos outros,
cruzou os Pirineus e passou seus últimos dias em Collioure, no sul da França,
exilado até seu falecimento.
O
que poucos sabem é que Antonio Machado influenciou grandes nomes de nossa
literatura. O Brasil é um país de imigrantes, com um contingente significativo
de origem espanhola. Diferente dos demais europeus que se dedicaram à
agricultura e pecuária, os espanhóis, quase que em sua totalidade galegos,
viveram em centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. A poesia
de Machado viria impactar a nossa versão de modernismo. Inclusive Manuel
Bandeira chegou a traduzir os versos de “Canção” e a escritora Cecília Meireles
dedicou um poema a Antonio Machado, em seu livro “Mar Absoluto”.
As
posições políticas de Machado se alinhavam com os crescentes movimentos de
vanguarda brasileiros, tendo alguns de seus membros partido à Espanha para
lutar contra o fascismo.
“Yo no me hubiera
marchado, estoy viejo y enfermo. Pero quería luchar al lado vuestro. Quería
terminar una vida que he llevado dignamente, muriendo con dignidad. Y esto solo
podría conseguirlo cayendo a vuestro lado, luchando por la causa justa como
vosotros lo hacéis”. (24 de novembro de 1936, no “Cuartel del V
Regimiento”, horas antes de sair de Madrid para Valência).
Durante
sua vivência na capital espanhola, mesmo antes do levante militar, como membro
da Academia, Machado viveu a angústia dos primeiros passos do novo regime,
tendo que lidar com progressistas radicais e monárquicos que queriam impedir os
avanços da nova politica importada do liberalismo iluminista. Ele presenciou a
tentativa de golpe tanto da esquerda, pelo general Goded, quanto da direita, do
general Sanjurjo (este que faleceu em um acidente aéreo e após o acidente a
liderança do levante ficou nas mãos de Francisco Franco). Não eram tempos para
a moderação, em uma república enfraquecida, talvez mais vulnerável que a de
Weimar, com corpos francos e milícias brigando nas ruas das grandes cidades e
tentativas de golpes vindas de ambos os lados.
Antonio
Machado, como intelectual, bem como Miguel de Unamuno, não se encaixava em
nenhum bando, mas Manuel Azaña tentou utilizar a sua imagem politicamente,
embora ele tecesse grandes críticas à Segunda República, para ele, os camisas
azuis fascistas da Falange não se diferenciavam em muito dos pistoleiros
bolchevistas, porém se manteve legalista durante o conflito.
“O
fascismo é a força da incultura, da negação do espírito” –
(Traduzido do espanhol, em seu discurso de maio de 1937 para as Juventudes
Socialistas Unificadas) - “Eu não sou marxista, nem nunca fui (…)
vejo, no entanto, com inteira claridade, que o socialismo, em quanto que supõe
uma maneira de convivência humana, baseada no trabalho, na igualdade dos meios
concedidos a todos para a sua realização, e na abolição dos privilégios de
classe, é uma etapa inexorável ao caminho da justiça”.
O
grande poeta iria se decepcionar com as atitudes radicais dos comunistas, o que
considerava injustificável combater a barbárie fascista pagando na mesma moeda
com selvageria. Mas hoje ele é um ícone à República espanhola, ultrapassando
até mesmo outros grandes intelectuais como Unamuno (que apoiou os militares no
princípio, vindo a se arrepender) e Jose Ortega y Gasset, este que não
pronunciou apoio nem crítica, e que com isso pôde viver no regime franquista, apesar de ter passado um tempo na Argentina.
Sobre
a Guerra Civil, Machado tem os famosos sonetos em estilo modernista: “Soneto a
Guiomar” e “El Crimen fue en Granada”, menção ao caso do Garcia Lorca, que ele
tanto admirava. Não sou ávido leitor de poesias, mas fui introduzido ao mundo
dos versos por Antonio Machado, talvez pela proximidade de sua figura, por ser
também espanhol, ou por retratar a Guerra Civil, tema que sempre me interessou.
Como brasileiro, filho de imigrante, faço essa ponte entre a Península e nosso
país, ainda mais realizado em saber que grandes nomes de nossa literatura se
inspiraram no talvez maior poeta espanhol, e tanto na terra de Cervantes quanto
na de José de Alencar, seguimos sendo este múltiplo, inclinados ao amor pela
liberdade, de um povo sofrido, que crê em Repúblicas mais justas, bem como
defendia o poeta sevilhano.
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