quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Lutando na Espanha - George Orwell

Por: David Vega.

O que faz um jovem britânico deixar o seio familiar, o conforto de uma Londres progressista e livre, mesmo tendo um poder que se alterna entre trabalhistas, liberais e conservadores – último reduto da democracia na Europa dos anos 1930, cruzar os Pirineus franceses para viver atolado na lama junto de campesinos pobres, mal equipados, em total desvantagem, no meio de piolhos e ratos na guerra contra o general Franco e seus falangistas?

A Guerra Civil Espanhola foi o ápice de uma sucessão de acontecimentos desde o século XIX. O país passou uma breve experiência republicana (1873 – 1874), deixando descontentes setores monárquicos do país, sobretudo após a restauração bourbônica, o que desagradou os Carlistas fiéis à linhagem real dos Habsburgos. 

Goya já retratava em suas telas uma Espanha dividida. A tentativa de modernizar uma nação ainda na “Idade Média”, com o avanço e a importação do liberalismo inglês e francês em uma sociedade altamente católica e ainda analfabeta, fez destes primeiros republicanos, sobretudo nas regiões industriais da Catalunha e do País Basco, aderirem ao anarquismo e ao comunismo soviético nos anos 1920. Porém a turbulência culminou no golpe de Estado de Miguel Primo de Rivera (seu filho, Jose Antonio seria o líder do partido fascista Falange, assassinado por comunistas na prisão em Alicante). Após um breve Estado de exceção, a figura do rei Alfonso XIII foi ambígua. Apesar de deposto em 1931, quando foi proclamada a Segunda República Espanhola, que duraria até o ano de 1936, progressistas e conservadores voltariam a polarizar uma nação que desde a geração de 1898, pessimista, após a derrota na guerra contra os Estados Unidos e a perda de Cuba, Porto Rico e Filipinas, tentou viver de um passado imperial de glória há muito tempo não vista.

A elite aristocrática apoiava secretamente um levante militar contra a República de Manuel Azaña. O líder da Direita, Calvo Sotelo, foi assassinado por pistoleiros comunistas como retaliação da morte do tenente Castillo por falangistas fascistas. As eleições de 1936, com a vitória da coalizão de esquerda Frente Popular, fez os militares se sublevarem e darem um golpe que dividiu a Espanha, dando início a uma guerra civil que produziu um saldo de 1 milhão de mortos e consolidou a ditadura do General Francisco Franco, apoiado pela Itália de Mussolini e a Alemanha nazista.

            A revolução espanhola foi a mais romântica de todo o século XX. Considerada um prelúdio do que seria a Segunda Guerra Mundial, escritores e artistas do mundo todo deixaram o conforto de casa para morrer por seus ideais em uma terra longínqua; Ernest Hemingway e Pablo Neruda foram os nomes mais famosos (que não pereceram no conflito), mas há uma outra figura que pouco se fala, o escritor George Orwell (cujo nome era Eric Arthur Blair).  

Exageradamente alto e de rosto com feições firmes, Orwell era muito diferente dos espanhóis, mas como sempre foi socialista, partiu para a frente de Zaragoza na província de Aragão e juntou-se à milícia do POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista) de tendência trotskista. Esta experiência rendeu-lhe o célebre livro Homage to Catalonia (Homenagem à Catalunha, cujo título no Brasil é Lutando na Espanha e Recordando a Guerra Civil).

            Orwell relata as condições insalubres das trincheiras, o fato de na milícia as mulheres lutarem lado a lado com homens de objetivos diversos; nem todos seriam simpatizantes do anarquismo catalão, havia também separatistas entre eles, mas em 1937, os stalinistas perseguiram os trotskistas, deixando o POUM na ilegalidade e prendendo seu líder Andrés Nin.


Isso culminaria em uma "guerra civil" dentro do bando republicano. Os anarquistas aboliram o dinheiro oficial (a peseta) e criaram uma moeda paralela, bem como tomaram o prédio das comunicações e controlaram as linhas telefônicas. Orwell chegou a ser ferido com um tiro no pescoço, o que lhe afetaria a voz. Muito da decepção das medidas totalitárias de Stalin inspirou ele a condenar um Estado único ditatorial, o que muito provavelmente serviu de combustível para seu livro conhecido 1984, além da metáfora da URSS no outro famoso A Revolução dos Bichos (Triunfo dos Porcos em Portugal). Também nesse ano em questão a cidade basca Guernica foi destruída pela aviação nazista, ganhando o mundo pela famosa obra de Pablo Picasso.

A experiência de George Orwell teve uma versão cinematográfica, que embora não seja totalmente fiel ao livro, conta com precisão a briga entre trotskistas e stalinistas, o filme "Terra e Liberdade" (1995) do ilustre diretor britânico Ken Loach.

Recomendo a leitura do livro antes de se ver o filme. O assunto sempre me interessou muito, pois meu avô paterno lutou na Guerra Civil Espanhola, além de termos tido brasileiros em ambos os lados; integralistas que se juntaram às fileiras franquistas, e comunistas após a Intentona de 1935, que foram exilados, do lado da esquerda, um notório foi Apolônio de Carvalho, que depois da guerra juntou-se à Resistência Francesa na Paris ocupada e foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) nos anos 80 - há uma biografia sobre ele chamada "Vale a pena Sonhar".

Outros ensaios de Orwell sobre o fascismo que ele vivenciou na Espanha estão em uma edição da Companhia das Letras "O que é Fascismo?", relançada em 2017, onde ele faz resenhas de livros e filmes, como O Grande Ditador, do Chaplin.

Tempos de outrora, em que se morria por ideais, embora se tenha produzido os maiores horrores da História. A política fria, tecnicista e pragmática atual carece das grandes façanhas, estas que fazem a gente ter apreço por pertencer à espécie humana.

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