Por: David Vega.
O
que faz um jovem britânico deixar o seio familiar, o conforto de uma Londres
progressista e livre, mesmo tendo um poder que se alterna entre trabalhistas,
liberais e conservadores – último reduto da democracia na Europa dos anos 1930,
cruzar os Pirineus franceses para viver atolado na lama junto de campesinos
pobres, mal equipados, em total desvantagem, no meio de piolhos e ratos na
guerra contra o general Franco e seus falangistas?
A
Guerra Civil Espanhola foi o ápice de uma sucessão de acontecimentos desde o
século XIX. O país passou uma breve experiência republicana (1873 – 1874),
deixando descontentes setores monárquicos do país, sobretudo após a restauração
bourbônica, o que desagradou os Carlistas fiéis à linhagem real dos
Habsburgos.
Goya
já retratava em suas telas uma Espanha dividida. A tentativa de modernizar uma
nação ainda na “Idade Média”, com o avanço e a importação do liberalismo inglês
e francês em uma sociedade altamente católica e ainda analfabeta, fez destes
primeiros republicanos, sobretudo nas regiões industriais da Catalunha e do
País Basco, aderirem ao anarquismo e ao comunismo soviético nos anos 1920.
Porém a turbulência culminou no golpe de Estado de Miguel Primo de Rivera (seu
filho, Jose Antonio seria o líder do partido fascista Falange, assassinado por
comunistas na prisão em Alicante). Após um breve Estado de exceção, a figura do
rei Alfonso XIII foi ambígua. Apesar de deposto em 1931, quando foi proclamada
a Segunda República Espanhola, que duraria até o ano de 1936, progressistas e
conservadores voltariam a polarizar uma nação que desde a geração de 1898, pessimista,
após a derrota na guerra contra os Estados Unidos e a perda de Cuba, Porto Rico
e Filipinas, tentou viver de um passado imperial de glória há muito tempo não
vista.
A
elite aristocrática apoiava secretamente um levante militar contra a República
de Manuel Azaña. O líder da Direita, Calvo Sotelo, foi assassinado por
pistoleiros comunistas como retaliação da morte do tenente Castillo por
falangistas fascistas. As eleições de 1936, com a vitória da coalizão de
esquerda Frente Popular, fez os militares se sublevarem e darem um golpe que
dividiu a Espanha, dando início a uma guerra civil que produziu um saldo de 1
milhão de mortos e consolidou a ditadura do General Francisco Franco, apoiado
pela Itália de Mussolini e a Alemanha nazista.
A revolução espanhola foi a mais
romântica de todo o século XX. Considerada um prelúdio do que seria a Segunda
Guerra Mundial, escritores e artistas do mundo todo deixaram o conforto de casa
para morrer por seus ideais em uma terra longínqua; Ernest Hemingway e Pablo
Neruda foram os nomes mais famosos (que não pereceram no conflito), mas há uma
outra figura que pouco se fala, o escritor George Orwell (cujo nome era Eric
Arthur Blair).
Exageradamente
alto e de rosto com feições firmes, Orwell era muito diferente dos espanhóis,
mas como sempre foi socialista, partiu para a frente de Zaragoza na província
de Aragão e juntou-se à milícia do POUM (Partido Obrero de Unificación
Marxista) de tendência trotskista. Esta experiência rendeu-lhe o célebre livro
Homage to Catalonia (Homenagem à Catalunha, cujo título no Brasil é Lutando na
Espanha e Recordando a Guerra Civil).
Orwell relata as condições insalubres
das trincheiras, o fato de na milícia as mulheres lutarem lado a lado com
homens de objetivos diversos; nem todos seriam simpatizantes do anarquismo
catalão, havia também separatistas entre eles, mas em 1937, os stalinistas
perseguiram os trotskistas, deixando o POUM na ilegalidade e prendendo seu
líder Andrés Nin.
Isso
culminaria em uma "guerra civil" dentro do bando republicano. Os
anarquistas aboliram o dinheiro oficial (a peseta) e criaram uma moeda
paralela, bem como tomaram o prédio das comunicações e controlaram as linhas
telefônicas. Orwell chegou a ser ferido com um tiro no pescoço, o que lhe
afetaria a voz. Muito da decepção das medidas totalitárias de Stalin inspirou
ele a condenar um Estado único ditatorial, o que muito provavelmente serviu de
combustível para seu livro conhecido 1984, além da metáfora da URSS no outro
famoso A Revolução dos Bichos (Triunfo dos Porcos em Portugal). Também nesse
ano em questão a cidade basca Guernica foi destruída pela aviação nazista,
ganhando o mundo pela famosa obra de Pablo Picasso.
A
experiência de George Orwell teve uma versão cinematográfica, que embora não
seja totalmente fiel ao livro, conta com precisão a briga entre trotskistas e
stalinistas, o filme "Terra e Liberdade" (1995) do ilustre diretor
britânico Ken Loach.
Recomendo
a leitura do livro antes de se ver o filme. O assunto sempre me interessou
muito, pois meu avô paterno lutou na Guerra Civil Espanhola, além de termos
tido brasileiros em ambos os lados; integralistas que se juntaram às fileiras
franquistas, e comunistas após a Intentona de 1935, que foram exilados, do lado
da esquerda, um notório foi Apolônio de Carvalho, que depois da guerra
juntou-se à Resistência Francesa na Paris ocupada e foi um dos fundadores do
Partido dos Trabalhadores (PT) nos anos 80 - há uma biografia sobre ele chamada
"Vale a pena Sonhar".
Outros
ensaios de Orwell sobre o fascismo que ele vivenciou na Espanha estão em uma
edição da Companhia das Letras "O que é Fascismo?", relançada em
2017, onde ele faz resenhas de livros e filmes, como O Grande Ditador, do
Chaplin.
Tempos
de outrora, em que se morria por ideais, embora se tenha produzido os maiores
horrores da História. A política fria, tecnicista e pragmática atual carece das
grandes façanhas, estas que fazem a gente ter apreço por pertencer à espécie
humana.
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