domingo, 23 de janeiro de 2022

Munique - No Limite da Guerra (2021)

Por: David Vega


Eu sempre fui um grande admirador de ficções ambientadas em épocas que misturam fatos verídicos da História. De certa forma tentei, modestamente, fazer o mesmo na minha trilogia de aventura “As Aventuras de Donoso Bueno (2022)”. Além de gostar de ler relatos, pois a História também se faz de experiências individuais e biografias, a genialidade daqueles que constroem um enredo envolvendo figuras e eventos que já conhecemos, faz da obra uma utilidade dupla; a intersecção do entretenimento com o didático.

Pois bem, ontem assisti a um filme que poderia se enquadrar em tal característica. Produção da Netflix, “Munich - The Edge of War (2021)” – (Munique – No Limite da Guerra), baseado do livro “Munique” de Robert Harris, tem uma trama de um trio de amigos ainda em 1932 que cursavam juntos suas carreiras na Universidade de Oxford, um dos rapazes é alemão, namorado de uma moça também alemã. Passado os anos, os três se separaram devido a questões políticas, o jovem inglês Hugh Legat é contra o emergente regime de Hitler, enquanto Paul Von Hartmann defende cegamente o líder que segundo ele teria devolvido o orgulho aos alemães. Hartmann não é um nazista de fato, é apenas um cidadão ludibriado e contagiado pela onda populista de seu país, ele acredita que o regime embora seja hostil aos judeus, não perseguirá aquela comunidade quando chegar ao poder, é um jovem encantado com as promessas nacionalistas, idealista, que não consegue compreender o perigo eminente de uma população quase que em sua totalidade hipnotizada pelos discursos de um Führer (líder) salvador.

Anos depois, após o trio de amigos se dissipar, Hugh Legat é secretário do então primeiro ministro britânico Neville Chamberlain (Jeremy Irons) que aparece no filme como um ancião cansado e metódico, um pacifista capaz de qualquer coisa para se evitar uma nova guerra mundial. E de fato a História provou que Chamberlain, ao contrário de Churchill, fez o possível se usando da diplomacia para evitar o conflito, acontece que chega ser quase ingênuo, se tratando de tentar negociar com ditadores com planos expansionistas, que não enxergam no ordenamento legal ou na atividade política tradicional o meio para se atingir os fins; são beligerantes e conquistadores operados pela lógica da guerra total.

Hartmann ao ver as medidas do regime nazista na prática após sua chegada ao poder, abandona a esperança no novo regime e passa a ser um espião que trabalha junto com outros subversivos que pretendem derrubar Hitler. Outra vez a ingenuidade do idealista se mostra como um véu que distorce a realidade, ele tem a esperança de que a Wehrmacht, caso uma guerra se avizinhe, não embarque na irresponsável empreitada, justo as forças armadas alemãs que tinha oficiais prussianos que nunca engoliram a derrota na Grande Guerra, chamando o Novembro de 1918 de traição, e viam em Hitler a oportunidade de revanchismo. O filme mostra como aqueles dotados de um otimismo cego não conseguem fazer uma leitura da realidade, quando este sujeito pensa que o que seu coração gostaria tem uma correspondência com o real, mesmo vendo que a experiência e averiguação o mostra o contrário: ele tem o que a caixa de pandora nos legou e em alguns casos pode ser a coisa mais perigosa; a esperança! Arriscando-se em uma empreitada que representa mais a sua vontade pessoal do que a real pretensão do povo alemão naquele momento.

Legat é mencionado pelo seu colega alemão e isso chega ao conhecimento do MI6 (serviço secreto britânico) que o contrata para ir como tradutor de Chamberlain no famoso encontro (A Conferência de Munique) que reuniu o primeiro ministro britânico, o próprio Führer, o Duce (Mussolini) e o líder francês Daladier (sucessor de Léon Blum). É aí que a ficção entra contando os bastidores fantasiosos de um evento real. Os dois amigos teriam um documento que provaria as reais intenções de Hitler para a Europa, que iria muito além de apenas anexar o Sudetos na região da Tchecoslováquia, mas conquistar todo o continente! O regime de Hitler reivindicava o que ele chamava de “espaço vital”, as antigas regiões de populações de ascendência alemã que teriam se perdido do Sacro Império Romano Germânico, o nacionalismo racial dos nazistas defendia a recuperação desses territórios, e isso é mencionado inclusive no Mein Kampf escrito ainda nos anos 1920. Em 1938 ocorreu o Anschluss, quando anexaram a Áustria, depois se expandiram para a região tcheca, no episódio que envolve a história do filme. A passividade Chamberlain beira quase a traição em uma época que a diplomacia não tem mais funcionalidade e a única solução seria a guerra para impedir o avanço incessante de um déspota megalomaníaco. Tal episódio do encontro entre os líderes, sobretudo do acordo firmado entre Chamberlain e Hitler, e a cena famosa do primeiro ministro britânico saindo do avião e sendo recebido por uma multidão que mais parecia ter ganhado uma guerra do que a evitado, hoje, é considerada vergonhosa para os britânicos.

Enfim, o enredo mostra um pouco de suspense, com os dois espiões possivelmente perseguidos pela SS e Gestapo, o encontro dos líderes, e o cenário de uma Alemanha militarizada; a todo momento no filme mostra a população uniformizada nas ruas de Munique, contrastando com as cenas de uma Londres mais pródiga, moderna e diversa. O jogo de cena não é por acaso também, tem vários ângulos propositais, como quando a comitiva volta à Inglaterra e decepcionado, Legat vê o famoso discurso de Chamberlain, olhando para os céus, dando a alusão de que um ano depois do acordo, quando Hitler o desrespeitou e invadiu a Polônia, iniciando a Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe (Força Aérea Alemã) teve investidas de ataques a Londres, barrados pelo heroísmo da RAF (Força Real Aérea Britânica).

Embora não seja o foco principal, a perseguição aos judeus é retratada de uma forma sutil, mas o que chama a atenção no filme é uma lição que a História nos deu, “dê a César o que é de César”, ou seja, trate igual quem merece um tratamento igual, não adianta ser pacifista demais e se usar da diplomacia com líderes que operam por outra lógica fora do campo democrático. Chamberlain renunciou e veio a falecer pouco tempo depois do acordo, sendo sucedido por Winston Churchill, o conservador que tomou as rédeas e fez o contrário do que seu predecessor defendia, declarando guerra, naquele discurso famoso da BBC “Nós devemos enfrenta-los nos mares, nos ares etc” (que virou a música Aces High da banda Iron Maiden), atitude que mesmo custando milhares de vidas, salvou não só a Europa, mas o mundo da ameaça nazista, provando que quando o momento exige, são necessárias atitudes, e não palavras.



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