Por: David Vega
Eu
sempre fui um grande admirador de ficções ambientadas em épocas que misturam
fatos verídicos da História. De certa forma tentei, modestamente, fazer o mesmo
na minha trilogia de aventura “As Aventuras de Donoso Bueno (2022)”. Além de
gostar de ler relatos, pois a História também se faz de experiências
individuais e biografias, a genialidade daqueles que constroem um enredo
envolvendo figuras e eventos que já conhecemos, faz da obra uma utilidade
dupla; a intersecção do entretenimento com o didático.
Pois
bem, ontem assisti a um filme que poderia se enquadrar em tal característica.
Produção da Netflix, “Munich - The Edge of War (2021)” – (Munique – No Limite
da Guerra), baseado do livro “Munique” de Robert Harris, tem uma trama de um
trio de amigos ainda em 1932 que cursavam juntos suas carreiras na Universidade
de Oxford, um dos rapazes é alemão, namorado de uma moça também alemã. Passado
os anos, os três se separaram devido a questões políticas, o jovem inglês Hugh
Legat é contra o emergente regime de Hitler, enquanto Paul Von Hartmann defende
cegamente o líder que segundo ele teria devolvido o orgulho aos alemães.
Hartmann não é um nazista de fato, é apenas um cidadão ludibriado e contagiado
pela onda populista de seu país, ele acredita que o regime embora seja hostil
aos judeus, não perseguirá aquela comunidade quando chegar ao poder, é um jovem
encantado com as promessas nacionalistas, idealista, que não consegue
compreender o perigo eminente de uma população quase que em sua totalidade
hipnotizada pelos discursos de um Führer (líder) salvador.
Anos
depois, após o trio de amigos se dissipar, Hugh Legat é secretário do então
primeiro ministro britânico Neville Chamberlain (Jeremy Irons) que aparece no
filme como um ancião cansado e metódico, um pacifista capaz de qualquer coisa
para se evitar uma nova guerra mundial. E de fato a História provou que
Chamberlain, ao contrário de Churchill, fez o possível se usando da diplomacia
para evitar o conflito, acontece que chega ser quase ingênuo, se tratando de
tentar negociar com ditadores com planos expansionistas, que não enxergam no
ordenamento legal ou na atividade política tradicional o meio para se atingir
os fins; são beligerantes e conquistadores operados pela lógica da guerra
total.
Hartmann
ao ver as medidas do regime nazista na prática após sua chegada ao poder,
abandona a esperança no novo regime e passa a ser um espião que trabalha junto
com outros subversivos que pretendem derrubar Hitler. Outra vez a ingenuidade
do idealista se mostra como um véu que distorce a realidade, ele tem a
esperança de que a Wehrmacht, caso uma guerra se avizinhe, não embarque na
irresponsável empreitada, justo as forças armadas alemãs que tinha oficiais
prussianos que nunca engoliram a derrota na Grande Guerra, chamando o Novembro
de 1918 de traição, e viam em Hitler a oportunidade de revanchismo. O filme
mostra como aqueles dotados de um otimismo cego não conseguem fazer uma leitura
da realidade, quando este sujeito pensa que o que seu coração gostaria tem uma
correspondência com o real, mesmo vendo que a experiência e averiguação o
mostra o contrário: ele tem o que a caixa de pandora nos legou e em alguns
casos pode ser a coisa mais perigosa; a esperança! Arriscando-se em uma
empreitada que representa mais a sua vontade pessoal do que a real pretensão do
povo alemão naquele momento.
Legat
é mencionado pelo seu colega alemão e isso chega ao conhecimento do MI6
(serviço secreto britânico) que o contrata para ir como tradutor de Chamberlain
no famoso encontro (A Conferência de Munique) que reuniu o primeiro ministro
britânico, o próprio Führer, o Duce (Mussolini) e o líder francês Daladier
(sucessor de Léon Blum). É aí que a ficção entra contando os bastidores
fantasiosos de um evento real. Os dois amigos teriam um documento que provaria
as reais intenções de Hitler para a Europa, que iria muito além de apenas
anexar o Sudetos na região da Tchecoslováquia, mas conquistar todo o
continente! O regime de Hitler reivindicava o que ele chamava de “espaço
vital”, as antigas regiões de populações de ascendência alemã que teriam se
perdido do Sacro Império Romano Germânico, o nacionalismo racial dos nazistas
defendia a recuperação desses territórios, e isso é mencionado inclusive no
Mein Kampf escrito ainda nos anos 1920. Em 1938 ocorreu o Anschluss, quando
anexaram a Áustria, depois se expandiram para a região tcheca, no episódio que
envolve a história do filme. A passividade Chamberlain beira quase a traição em
uma época que a diplomacia não tem mais funcionalidade e a única solução seria a
guerra para impedir o avanço incessante de um déspota megalomaníaco. Tal
episódio do encontro entre os líderes, sobretudo do acordo firmado entre
Chamberlain e Hitler, e a cena famosa do primeiro ministro britânico saindo do
avião e sendo recebido por uma multidão que mais parecia ter ganhado uma guerra
do que a evitado, hoje, é considerada vergonhosa para os britânicos.
Enfim,
o enredo mostra um pouco de suspense, com os dois espiões possivelmente
perseguidos pela SS e Gestapo, o encontro dos líderes, e o cenário de uma
Alemanha militarizada; a todo momento no filme mostra a população uniformizada
nas ruas de Munique, contrastando com as cenas de uma Londres mais pródiga,
moderna e diversa. O jogo de cena não é por acaso também, tem vários ângulos
propositais, como quando a comitiva volta à Inglaterra e decepcionado, Legat vê
o famoso discurso de Chamberlain, olhando para os céus, dando a alusão de que
um ano depois do acordo, quando Hitler o desrespeitou e invadiu a Polônia,
iniciando a Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe (Força Aérea Alemã) teve
investidas de ataques a Londres, barrados pelo heroísmo da RAF (Força Real
Aérea Britânica).
Embora
não seja o foco principal, a perseguição aos judeus é retratada de uma forma
sutil, mas o que chama a atenção no filme é uma lição que a História nos deu,
“dê a César o que é de César”, ou seja, trate igual quem merece um tratamento
igual, não adianta ser pacifista demais e se usar da diplomacia com líderes que
operam por outra lógica fora do campo democrático. Chamberlain renunciou e veio
a falecer pouco tempo depois do acordo, sendo sucedido por Winston Churchill, o
conservador que tomou as rédeas e fez o contrário do que seu predecessor
defendia, declarando guerra, naquele discurso famoso da BBC “Nós devemos enfrenta-los
nos mares, nos ares etc” (que virou a música Aces High da banda Iron Maiden),
atitude que mesmo custando milhares de vidas, salvou não só a Europa, mas o
mundo da ameaça nazista, provando que quando o momento exige, são necessárias
atitudes, e não palavras.
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